EXU E A PARTÍCULA DE HIGGS


Júlio Gaius Amado Leonardes, ou apenas Gaius, é um astrofísico de Q.I. elevado, intuitivo e sedutor que vive fora do Brasil. Dedica-se ao estudo e pesquisa científica nas universidades europeias. Em um dado momento, ele se defronta com o mistério em dois territórios distintos, um de cunho místico e outro de ordem científica. Em “Exu e a Partícula de Higgs. A Máquina do Tempo” o enredo nos encaminha paulatinamente para duas realidades completamente diferentes, mas que não se antagonizam necessariamente. Convida-nos para uma descoberta desses dois mundos. Mesmo os conflitos que surgem com relação a isso, em seu personagem principal, nos parecem leve ou segue um tom um tanto quanto cômico.

O livro narra o percurso de Gaius a partir do momento que ele entra em Yvoire, uma cidadela medieval de sete séculos na França, que nos é entregue poética e idilicamente como símbolo do tempo, eixo central da obra. Nesta cidadela francesa, só se entra a pé. Gaius não só entra a pé, mas descalço. Logo se percebe que o autor traz símbolos importantes e que vai marcar toda a obra. Inclusive, somos encaminhados, logo de início, a acreditar que o apanágio simbólico e místico vem do candomblé. Ele é o primeiro e tem um destaque maior, mas não o único.

A atitude de entrar descalço na cidadela desencadeia uma série de acontecimentos que parecem triviais, mas possui um contexto maior. Tanto numa relação interna com a própria narrativa, como uma ligação externa em forma de homenagem para outros autores ou suas obras literárias. Tudo acontecendo ao mesmo tempo como se nos oferecesse certos universos paralelos. Neste caso, literários mesmos. Ao mesmo tempo, está nos remetendo a caminhos da ficção por onde a narrativa se escoará. Embora nada nos prepare devidamente para o que acontecerá na história.

Não que o autor esconda suas intenções quanto as referências externas, até porque na dedicação se vê o nome de Júlio Verne por exemplo. E não para por aí, há inclusive outros nomes como Jorge Amado e Santos Dumont. E uma das gratas surpresas é percebemos que até mesmo a figura de Santos Dumont está ali inscrita dupla e significativamente no decorrer da história. É uma viva homenagem e um personagem ativo do enredo. Já Jorge Amado, embora também entre nessa perspectiva de ser homenageado, vem de uma forma própria, pelo que se revela na tentativa de proximidade do estilo, quando o contexto permite. 

Mas como o escritor Carlos Costa França é baiano fica sempre uma suspeição do que realmente promoveu. Da minha parte, sentir a falta, nesse panteão da dedicação do livro, de Monteiro Lobato, pois há uma referência direta a esse escritor e a um de seus livros mais comemorados, “Reinações de Narizinho”, como se o autor baiano nos dissesse, “tenho aqui a chancela para uma imaginação sem limites. Não me venham dizer depois que não avisei”. Isso realmente o autoriza? Talvez não apenas isso. Pois passa a se estabelecer que é preciso trilhar um caminho já aberto, onde a realidade e fantasia já estiveram tão lado a lado, que foi o caso de Monteiro Lobato em suas histórias infantis. Na obra do autor baiano, o texto está longe de ser algo infantil. Há diversas modalidades de linguagem, que vai do regionalismo baiano a linguagem própria de época do começo do século 20. O livro se trata também de um romance moderno, e o enredo apresenta em algum momento um contorno erótico, não “amadiano” em estilo, nem exatamente poético, ou uma crueza explícita, se trata de algo mais refinado do amor físico.

O livro é extremamente bem estruturado, seguindo com diversos assuntos com primor e desenvoltura. E é possuidor de um charme narrativo crescente à medida que avançamos na história e vamos conhecendo melhor seus personagens. Claro, existem alguns clichês que o autor não conseguiu escapar, ou simplesmente não quis. Também há algumas falhas de redação, porém isso não retira da obra uma certa originalidade e o fato dela ser fantástica. Em qualquer sentido que nos debruçarmos sobre ela.

E para finalizar, invoco aqui um de seus personagens, Jean Bresson, em sua máxima, para recomendar a obra.

“Sans erreur”, Sem erro!

Alfredo Valadares Sobrinho


Professor de Redação e Literatura


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