REFLEXÕES DE FINAL DE ANO 2024 - INQUIETAÇÕES DA LIBERDADE NO TEMPO

 


SER LIVRES

Estamos "condenados a ser livres", dizia Sartre, filósofo francês, e essa condenação é paradoxalmente nossa maior dádiva. Porque, mesmo na angústia, há a possibilidade de autenticidade: de viver não como objetos moldados por forças externas, mas como sujeitos que criam, transformam e deixam sua marca no mundo, na própria vida.

São tantas as escolhas, e a cada passo dado surgem novas possibilidades, enquanto outras, inevitavelmente, ficam para trás — com tudo de bom e de ruim que poderiam oferecer. Esse constante movimento de decisões e renúncias é capaz de gerar angústias, às vezes silenciosas, outras intensas, abrindo espaço para crises de diversas naturezas, inclusive a tão conhecida crise existencial.

Somos convocados a assumir a responsabilidade pela liberdade — sim, assumir e sustentar a liberdade como parte intrínseca de nossa condição humana. No existencialismo, a máxima "a existência precede a essência" nos lembra que não nascemos com um propósito predefinido; ao contrário, somos constantemente moldados por nossas escolhas e ações. Assim, criamos nossa essência ao longo do tempo, em um processo contínuo de ser e fazer.

Mas será só isso? Ou será essa apenas uma camada da realidade? Talvez a liberdade e o peso das escolhas sejam como uma superfície que encobre algo mais profundo — um mistério ou uma dinâmica maior que nos escapa. Nossas escolhas definem, sim, nosso caminho, mas será que, ao mesmo tempo, também somos tocados por forças além de nosso controle consciente? Talvez a liberdade e a responsabilidade sejam apenas um aspecto do todo, uma peça em um jogo cujas regras e finalidades ainda tentamos compreender.

 

O SER E O TRANSCENDENTE

Numa elegância discreta à beira da estrada, dois bancos públicos de alvenaria e madeira repousavam, quase sonolentos, na paisagem. Ainda assim, carregavam uma expressão convidativa, como quem sugere uma pausa. Havia um plátano em dos bancos.  Suas folhas, de um verde suave,  por vezes, movidas por um vento ameno, lançavam sombras oscilantes, que ofereciam um refúgio modesto, mas acolhedor, do calor do meio-dia e a serenidade de um instante roubado ao tempo.

O  dia estava ensolarado, e os carros passavam rapidamente, impelidos pela pressa, embora parecessem, no fundo, tentar escapar dela. Pensei então: “é tanta correria,  são tantas informações, tantas notícias, telas e  mais telas no dia-a-dia, que acabamos esquecendo de viver as experiências que realmente importam”.

Sobretudo as experiências da alma. E arriscando-me um pouco aqui neste texto, a estética simples do cotidiano. É o ato de apreciar o instante, conectar-se ao natural, permitir-se estar presente. Desligar-se do ruído incessante do mundo para ouvir o murmúrio sutil da vida ao redor. Nada mais, nada menos: apenas isso. Uma pausa intencional para sentir, para ser.

 

Posso afirmar com certo entusiasmo e experiência, que às vezes, o universo parece brincar com sinais — pequenos, quase imperceptíveis, como uma estrela cadente que só enxergamos quando olhamos para o céu no momento exato.

Algumas noites carregam um mistério, algo que ecoa dentro de nós. Será intuição? Destino? Quem sabe uma mensagem esperando por quem tenha coragem de decifrá-la.

Entre palavras e silêncios, tudo se alinha quando menos esperamos. E então, o ordinário se transforma em algo extraordinário. Contudo, em contrapartida, a virtude da coragem deve permear nossos corações e guiar nossos caminhos.

Para quem souber ouvir, há sempre uma resposta no ar. Uma mensagem aleatória presentificada, uma estrela, ou até um número.  Tudo é questão de atenção para esses sinais.

Por exemplo, números repetidos, que aparecem no instante de sensações significativas; eventos sincrônicos, mensagens oportunas, sonhos e assim por diante. Particularmente, tenho apreço pelo número sete (meu número, por sinal) e também pelo número 13, que considero excelente, embora carregue muitas vezes uma mística negativa em torno dele, não é mesmo? Porém, não é verdade. (Aliás, tenho uma história interessante sobre isso, que conto se houver tempo e espaço  nesse tipo de texto, que nunca é pequeno... ó é a vida de escritor, o que fazer né?)

Por outro lado, há sombras desconfortáveis e perniciosas que podem nos envolver nesse desenrolar da vida. Ainda assim, até essas sombras podem carregar algum significado oculto, algo a ser desvendado. Sobre isso, lembrei-me de algo de muito tempo, muito tempo mesmo,  quero citar Alexandre Dumas, o célebre escritor francês, em Os Três Mosqueteiros...

 "Nunca temas as sombras, Milady, pois elas apenas anunciam que há luz por perto."

A vida é uma batalha, sim, mas a paz é uma função do ser — e, portanto, algo possível para quem a busca genuinamente. É no reconhecimento e na aceitação de nosso próprio ser que reside a diferença, pois necessitamos de nós mesmos antes de qualquer outra coisa, livres da dependência dos outros para encontrar plenitude.

Nessa esteira do SER, convido Clarice Lispector, que, em sua profundidade poética, sempre nos lembra:

"Que nada te limite,

Que nada te defina.

Que nada te sujeite.

Que a tua liberdade seja de ser,

E não de estar.

 

Quero alguém que me transborde,

Que me faça sair de mim,

Que me leve para um lugar

Onde eu nunca estive,

Mas sempre desejei estar.

 

Quero alguém que seja mar,

Que me inunde sem afogar,

Que me faça mergulhar nas profundezas

E voltar à superfície renovada.

 

Quero alguém que, ao transbordar,

Não me perca,

Mas me encontre

Mais inteira,

Mais viva."

 

Hoje, Clarice Lispector ocupa um lugar central no cânone literário mundial, sendo admirada não apenas por sua obra literária, mas também por sua vida enigmática e singular, que inspira leitores em todo o mundo.

"Liberdade é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome."

 

A força do ser penso que é justamente isso — um movimento contínuo, sempre em busca do inominável, sempre em direção à essência, ao que somos em nossa verdade mais íntima.

 

RODOVIA E FILOSOFIA

Do outro lado da avenida, hortênsias floridas, em tons de azul, anil e delicados rosáceos, emolduravam a via asfáltica com certo contraste. Uma imensa árvore de Natal, decorada com esmero, anunciava sem deixar dúvidas em que época do ano estávamos. O Natal havia chegado, marcando o fim de 2024. E pensei: “ lá se vai 2024, e, agora, talvez com a mesma pressa dos carros”.

Diante de mim, a rodovia movimentada estendia-se como uma serpente enegrecida e austera, pontuada por veículos que passavam em ritmo apressado e sem descanso, carregando consigo o ruído frenético do mundo moderno imediato.

Ali naquele banco, sentado ouvia sobre o filósofo Spinoza, sua intrigante história e sua filosofia para a vida dos homens. Ele cunhou o termo CONATUS, que significa a vontade de viver, de perseverar, potência dos viventes.

AUMENTAR NOSSA CONATUS É FAZER E PROMOVER O QUE NOS FAZ BEM, MAS ISSO NÃO SIGNIFICA SER POSSUÍDOS PELO DESEJO. É TER TAMBÉM  A CONSCIÊNCIA DO QUE REALMENTE NOS FAZ BEM.

O trivial se manifestava  com disposição natural e potência, parecendo ter alegria própria. E numa dessas minhas aventuras diante da rodovia e suas  zelosas fronteiras, códigos, construções, paisagens e uma faixa de pedestre, eis que me apareceu o cachorro caramelo com mais um episódio da vida real e significativa. Que vou contar mais adiante.

Agostinho de Hipona, filósofo da patrística,  expressa a seguinte ideia: "Pois, o que é visível foi criado para nos conduzir ao conhecimento do invisível." Essa frase reflete a crença de Agostinho de que o estudo do mundo material e das coisas visíveis pode nos levar ao entendimento das realidades espirituais e divinas.

Adquiri o hábito de estudar filosofia, abordagens psicológicas depois do falecimento do meu carro meses antes. E essa beira de estrada, próximo a um viaduto,  tornou-se o meu lugar  favorito, é um lugar na Várzea Grande para quem está chegando ou saindo de Gramado no Rio Grande Do Sul em relação a Porto Alegre.  Esse lugar marcou por que ali se abriu a uma série de acontecimentos paralelos, embora possa  parecer paradoxal, rodovia e filosofia.

Ao redor, a paisagem oferecia um contraste curioso. Porções de verde reluziam sob o sol, intercaladas com construções que variavam entre o funcional e o quase poético, compondo uma cena de coexistência entre a natureza e a urbanidade. Um pouco abaixo, um córrego serpenteava, solitário, quase invisível, com serenidade, murmurando baixinho como uma música de fundo para o caos da rodovia.

Gosto de poetas ingleses no geral ,  e para esse momento escolho este:

Adlestrop

 

Sim, eu me lembro de Adlestrop —

O nome, porque uma tarde,

De calor, o trem expresso parou ali

Inesperadamente. Era fim de junho.

 

O vapor chiou. Alguém pigarreou.

Ninguém desceu e ninguém subiu

Na plataforma vazia. O que vi

Foi Adlestrop —apenas o nome (no meu caso, apenas Gramado, no passado que a conheci, no presente em que  via-me ali)

 

E salgueiros, ervas, e relva,

E doces flores e montes de feno seco,

Nem um pouco menos quietos e belos

Que as nuvens altas no céu.

 

E por aquele minuto um melro cantou

Bem perto, e ao redor dele, mais distantes,

Mais e mais longe, todos os pássaros

De Oxfordshire e Gloucestershire.

 

Perfeito isso! Acho que já repeti esse poema antes em algum texto, mas enfim...

Embora, no meu caso, nenhum pássaro tenha cantado, um pousou bem perto no banco e ficou a observar o movimento com uma tranquilidade própria, indiferente a mim ou ao derredor. Depois, levantou voo com uma naturalidade tão plena, como se pertencesse ao todo — não em busca de destaque, mas simplesmente ressaltando, em sua simplicidade, as coisas e a vida singular.

O poema "Adlestrop" é de Edward Thomas (1878–1917), um poeta inglês associado ao movimento georgiano e à poesia da Primeira Guerra Mundial.

Thomas é conhecido por sua sensibilidade ao descrever a natureza e por capturar momentos de quietude e contemplação, o contraste entre o mundo humano (o trem, a plataforma) e o natural (os campos e pássaros) é explorado com delicadeza, destacando a beleza efêmera da natureza em meio à monotonia da modernidade.

A curiosidade, no caso, é que "Adlestrop" é um dos poemas mais famosos de Edward Thomas, inspirado em uma parada inesperada de trem na pequena vila de mesmo nome. Ele reflete a habilidade do poeta em transformar uma experiência simples em algo profundamente evocativo.

E é isso que tento fazer, de um jeito ou de outro: captar a essência dos momentos mais singelos e dar-lhes profundidade. Beber das águas inspiradoras dos grandes mestres, como Thomas, é sempre uma experiência enriquecedora e motivadora.

 

Agora  vamos ao episódio do cachorro Caramelo:

 

A cena era peculiar e, de certo modo, cativante. Um cachorro caramelo surgiu descontraidamente de um dos lados da via, movimentando-se com a alegria despreocupada que só um cão de rua ou um espírito livre poderia demonstrar com aquela naturalidade. Não demorou para que eu percebesse que ele seguia uma mulher. Ela caminhava com tranquilidade e, vez ou outra, lançava um olhar breve para trás, verificando a presença do caramelo com uma confiança silenciosa.

Ao alcançar a borda da via, ela parou na faixa de pedestres, observando o fluxo incessante dos veículos antes de atravessar com segurança. O caramelo, no entanto, parecia operar sob suas próprias regras. Ele atravessava a via de modo transversal, com uma habilidade impressionante, como se conhecesse o ritmo daquela movimentada rodovia melhor do que muitos pedestres. Era uma segurança canina quase inusitada, um misto de instinto e experiência que me deixou intrigado.

Como se não bastasse isso,  chamou minha atenção foi que essa cena se repetiu três vezes em um curto intervalo de tempo. A mulher e o cachorro cruzaram a via e, logo em seguida, retornaram, como se apenas a motivação fosse aquela,  atravessar a via. A movimentação constante dos carros fazia cada travessia parecer um desafio, mas a mulher não demonstrava preocupação ou medo, mantendo comportamento parecido desde a primeira travessia.

Em contraste, eu não conseguia deixar de me inquietar pelo Caramelo, que parecia alheio ao perigo e inteiramente entregue à confiança em sua habilidade de navegar aquele espaço urbano. Já a mulher para mim era uma incógnita.

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Havia algo de poético e ao mesmo tempo inquietante naquela coreografia entre a mulher e o cachorro — uma espécie de dança cotidiana que, aos olhos de um observador, parecia carregar uma simplicidade que desafiava a lógica e os instintos mais básicos de cuidado.

 

A vida como metáfora. A cena pode ser interpretada como uma metáfora para a forma como navegamos pelas incertezas da vida. Assim como o caramelo atravessa a via movimentada com uma confiança quase desconcertante, talvez devêssemos enfrentar nossos desafios com mais naturalidade, confiando em nossa experiência e instinto.

 

Talvez o cachorro caramelo nos ensine que, mesmo diante de obstáculos repetidos, é possível atravessá-los com leveza, confiança e uma conexão plena com o momento presente. O número três reforça que a vida é um ciclo — de idas, vindas e retornos, que sempre carregam em si uma lição ou um renascimento.

 

Pensei também na carta do Louco no Tarot nessa travessia de Caramelo e a mulher.

O Louco e o Cachorro Caramelo

 

O Louco, tradicionalmente representado como um viajante despreocupado, carregando uma pequena bagagem e acompanhado por um cachorro, simboliza o início de uma jornada, o salto para o desconhecido e a confiança na vida. Na cena do caramelo:

 

 A Travessia como Jornada

O cachorro atravessa a via movimentada com naturalidade, indiferente ao caos ao redor, assim como O Louco segue seu caminho sem temer o que pode encontrar à frente. Ambos exemplificam uma confiança instintiva e uma ausência de medo que os conecta com o momento presente.

 

O Cachorro: Guardião e Símbolo

Na carta do tarô, o cachorro que acompanha O Louco simboliza o instinto, a lealdade e a proteção silenciosa. Na cena, o cachorro caramelo é ao mesmo tempo o protagonista e o símbolo dessa liberdade canina, agindo por conta própria, mas com uma sabedoria que ultrapassa o racional.

 

A Mulher como Guia Invisível

A mulher que observa o cachorro de maneira tranquila lembra a energia do universo que observa O Louco: um mentor invisível, confiante na jornada do outro. Ela não tenta controlá-lo, assim como o destino não intervém diretamente, mas está sempre presente.

 

O Louco e as Três Travessias

 

No tarô, O Louco é o arquétipo do começo de uma jornada cíclica, que passa por múltiplos estágios. As três travessias do caramelo ecoam o potencial ilimitado do Louco em explorar, aprender e integrar suas experiências:

 

A primeira travessia é o impulso inicial, o salto para o desconhecido.

A segunda travessia é a exploração do aprendizado, o meio da jornada, onde riscos e recompensas se equilibram.

A terceira travessia simboliza o retorno ou o domínio, onde a ação se torna natural e fluida, sem esforço.

 

Confiança e Despreocupação

 

O cachorro caramelo, ao atravessar a via movimentada com segurança e naturalidade, reflete a despreocupação que é a essência de O Louco. Não é descuido, mas uma confiança profunda em seus instintos e na sincronia do universo. Essa despreocupação, muitas vezes mal compreendida, é o que permite tanto a liberdade quanto a descoberta de novos caminhos.

O Louco e o Caos Urbano

 

A via movimentada simboliza os desafios da vida moderna, o "precipício" que O Louco enfrenta em sua carta. O caramelo, ao navegar esse espaço com graça e segurança, nos lembra que, mesmo no caos, é possível encontrar harmonia. Assim como O Louco, ele confia no fluxo natural das coisas, transformando um espaço potencialmente perigoso em parte de sua jornada.

Lição da Cena e de O Louco

A vida é uma jornada cheia de incertezas, mas a confiança em si mesmo e no momento presente pode transformar desafios em aventuras.

 Nem tudo precisa ser controlado ou planejado; há beleza e aprendizado na espontaneidade.

 A ligação com o instinto e a natureza — simbolizados pelo cachorro na cena e na carta — é essencial para viver de forma plena e conectada com o todo.

 

Assim, o cachorro caramelo encarna O Louco, caminhando pela sua própria jornada, trazendo à tona a lição de que, às vezes, é preciso confiar no fluxo da vida e seguir em frente com leveza e coragem.

 

Aprendizado de 2024

Tive vários aprendizados ao longo deste ano, e um dos mais significativos, ou melhor, a consolidação dele, ocorreu no final de 2024. Foi sobre a força do tempo em um dos seus aspectos, especialmente em relação à sua finitude enquanto mortais que somos. Não tanto sobre o desaparecimento em si, mas sobre o que podemos realizar e fazer durante esse período limitado, a angustia disso diante da potência que somos. E somos!"

Já compreendia que o tempo, embora limitado, oferece a oportunidade de nos expressarmos de maneira única, de sermos quem realmente somos. Cada momento é precioso, e a urgência de viver de forma autêntica, sem adiamentos, já tinha se tornado uma prática.

E trago para contextualizar esse novo aprendizado, por assim dizer, um poema francês,  "Le Temps" (O Tempo) de Paul Valéry. Neste poema, Valéry reflete sobre a natureza fugaz e imutável do tempo, tentando compreender sua essência, mas ao mesmo tempo, permitindo que sua inefabilidade se faça presente na vivência humana.

No poema, Valéry usa o tempo como uma metáfora para a condição humana. O tempo não é visto apenas como uma sequência de momentos que se sucedem, mas como uma força misteriosa que pode ser tanto uma prisão quanto uma libertação. Ele tenta capturar a fluidez do tempo em palavras, mas, no processo, o próprio tempo escapa de sua compreensão.

 

Aqui está um fragmento do poema:

 

"O tempo que se passa não existe, e nós o imaginamos,

ele é uma invenção da mente humana,

uma construção do pensamento que, ao tentar fixá-lo,

apenas cria o espaço onde ele se perde."

 

Vou expor algumas ideais diversas sobre o tempo  e fazer uma conclusão minha.

 

Na física, o tempo é uma dimensão essencial que se conecta com o espaço, os movimentos dos corpos e os processos naturais do universo. Sua natureza não é simples nem fixa: pode ser absoluto, relativo, fluido ou até mesmo indefinido, dependendo da teoria e do contexto físico. Ele pode ser medido de forma precisa, mas sua essência continua sendo um dos maiores mistérios da ciência moderna.

A forma como o tempo é entendido — seja ele linear, cíclico ou até quântico — nos ajuda a compreender o universo e nossa própria existência nele.

Sob a perspectiva da transitoriedade, o tempo é visto como um fluxo contínuo onde tudo é impermanente, uma ideia central em diversas filosofias, que compartilho imensamente.

O budismo ensina que tudo no universo está em constante mudança: as experiências, os sentimentos, os objetos materiais e até mesmo nossa própria identidade. Essa transitoriedade não é apenas inevitável, mas também essencial para a existência. O Buda afirmou que resistir à impermanência é o que causa sofrimento (dukkha), enquanto aceitá-la nos conduz à sabedoria e à libertação.

Na filosofia estoica, a transitoriedade é igualmente relevante. Os estoicos, como Sêneca e Marco Aurélio, acreditavam que a consciência da impermanência nos ajuda a valorizar o presente e a viver de forma virtuosa.

Também no Candomblé, o tempo é compreendido não como algo a ser conquistado ou vencido, mas como algo a ser respeitado e integrado à vida cotidiana. A transitoriedade não é algo que deve ser temido, mas sim algo a ser celebrado, pois é através dela que a renovação e o crescimento ocorrem. Cada ciclo da vida — com seus altos e baixos, suas vitórias e desafios — é uma parte necessária da jornada espiritual.

 

Minhas considerações finais , como em muitas tradições africanas, compreendo que  tempo não é algo fixo ou único; ele é fluido, sempre em transformação, sempre “chegando” de uma forma nova. Essa visão desafia a ideia de um "tempo perdido" ou de um "tempo passado", pois no Candomblé, o tempo está sempre presente, sendo renovado a cada momento. Ou seja, é um tempo sempre chegando.

A citação de Exu no meu livro Exu e a Máquina do Tempo (“Há o tempo de cada coisa e cada coisa tem seu tempo”) é uma frase que sintetiza essa visão profundamente sábia e filosófica. Exu, como mensageiro e guardião dos caminhos, ensina que cada evento, cada processo, cada ser tem um tempo próprio, uma jornada única que deve ser respeitada e vivida.

Assim, o tempo não se impõe como uma força rígida, mas se desenrola de acordo com a necessidade de cada coisa ou ser. Esse "tempo de cada coisa" nos convida a estarmos atentos ao momento presente, a não nos apegarmos ao que foi ou ao que virá, mas a vivermos intensamente o que está à nossa frente, reconhecendo a renovação constante que ele nos oferece.

Com isso, o conceito de envelhecimento que é usualmente visto como algo negativo também ganha outra perspectiva. No Candomblé, envelhecer não é necessariamente uma perda, mas parte de um ciclo natural que envolve o tempo de cada coisa. À medida que envelhecemos, adquirimos a sabedoria do tempo, e o tempo de cada experiência se torna mais rico e profundo.

 A ideia de que "ficamos velhos para todas as coisas" significa que cada coisa tem um momento em que sua maturidade se manifesta, e é nesse momento que ela se revela em toda sua plenitude. O tempo não é apenas uma medida do passar dos dias, mas uma oportunidade para experimentar a renovação constante, sempre em um novo ciclo.

Essa perspectiva do tempo nos liberta da pressão de viver em função de um calendário rígido ou de uma expectativa linear de progresso. Ao invés de vermos o tempo como algo que "passa" ou que "perdemos", entendemos que ele é, na verdade, um processo contínuo de renovação, onde sempre há algo novo a ser vivido, mesmo que seja a partir das experiências mais antigas ou aparentemente já vividas. O tempo sempre está chegando, e cada instante traz consigo uma nova oportunidade de vivê-lo de maneira única e transformadora.



Carlos Costa França

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