Depressão, Mal do Século

 “Atravessar desertos muito longos empoeira nossos sentidos e mortifica nossa vontade. Já um vulcão de verdade nunca dorme, afugenta o tempo de suas entranhas e ressurge com toda força. E do que foi necessário destruir surge a mais bela paisagem da renovação e da conquista.”

Trecho de O Direito e o Dever de Curar-se

Não existe qualquer horizonte quando se viaja pela estrada da depressão. É um lugar frio e triste, onde a esperança é uma vela gasta, por vezes, apagada pelas próprias lágrimas. Quem uma vez trilhou essa estrada jamais esquece. A sensação que fica no indivíduo é que não parece existir nada pior. E talvez isso seja uma verdade.

Ali, o caminhante se vê só, até de si mesmo. Os passos são dados de forma vagarosa e parecem muito mais difíceis do que foram um dia. Ainda assim, nem sempre o sujeito percebe por onde anda, ou como se sente, pois se encontra distraído com a rotina, com as próprias frustrações e questões, que afinal de contas nunca foram resolvidas satisfatoriamente.

Ou então, ele foi se acostumando a esterilidade crescente da paisagem da vida, imposta por eventos e acontecimentos fora de seu controle, mas com repercussões profundas no seu ser. E um dia se dá conta que tudo está meio cinza. A cor, o sabor e o prazer simplesmente desapareceram da sua vida. Talvez até percebem que nunca foram lá essas coisas toda, o que justifica a situação e onde estão.

Mesmo o fato de um dia ter existido, sabor e prazer, perde o significado de vez. No seu lugar, o amargor, a angustia. Mas não pensem que não há tentativas ou desejo de sair da terrível estrada. É só que se quer, pois dói, e muito, mas para onde quer que se olhe só se percebe o vazio. Os sentidos estão anestesiados, como se tivessem mergulhado num lado gelado e escuro. Não havendo mais forças para nada.

“A dor depressiva, quando não sufocante e opressora, é como uma extirpação da alma e da felicidade no presente, sendo que a ideia de futuro nem consegue ser formulada, simplesmente escapa no nevoeiro dos sentimentos maltratados, das feridas abertas e dos parcos recursos emocionais em declínio. Além disso, o raciocínio parece inundado por uma letargia e negatividade invencíveis, sendo uma proeza para o indivíduo reagir ao mundo de uma forma mais positiva. Pelo contrário, afasta-se, foge, desaparece.” Trecho de O Direito e o Dever de Curar-se.

E as poucas opções que apareceram fracassaram. Frustração em cima de frustração. Então, todo o veneno do desânimo atinge-lhe em cheio. Chega-se  a um ponto onde o indivíduo se encontra completamente derrotado e submerso por forças titânicas contra o próprio eu. Este se sente um nada, um fiasco, um peso para si e para o outro. Mas como se chegou a esse ponto? Foram mesmo as externalidades,  as irresoluções, as feridas? O que é preciso fazer?

“O motivo nem sempre é evidente, e quando o é, nem sempre é percebido. E não é mesmo, ou pelo menos, de modo consciente. E quando percebido, não é raro a pessoa fugir de uma realidade que precisa ser enfrentada, que precisar ser descoberta (e aqui literalmente, tirar o que a cobre), que precisa ser reelaborada. Mas não o faz ou não consegue fazer. Sem mencionar,  a criatividade que o indivíduo promove contra si mesmo para manter o “segredo” do que  a destrói. Isso que é  um trabalho heroico, só que às avessas.”  

Quanto mais tempo passar, mais haverá um ônus em termos de sofrimento. O que nos leva ao que fazer, que é procurar ajuda sempre, principalmente quando o indivíduo se sente incapaz de dar conta sozinho da situação ou se percebe no poço, ou fundo do poço.

Aqui mais um trecho de O Direito e o Dever de Curar-se: “O imprescindível é o indivíduo estar atento ao que lhe ocorre e tentar reverter a maré emocional. E caso não consiga sozinho, buscar de imediato uma ajuda profissional. Sobretudo quando já sabemos de certas fragilidades psíquicas e emocionais, das situações que nos abala e nos entristece por demais.”

O fato é que quando a pessoa supera uma depressão e renova seu caminho na vida, algo novo e poderoso pode nascer dali. Não é algo tão incomum, que um indivíduo ao superar uma terrível experiência, sendo que aquilo que a feriu profundamente, passe a ser uma fonte de força, exemplo e valor dali por diante para vários setores em sua vida.

DEPRESSÃO ONTEM E HOJE

A depressão é uma doença conhecida há bastante tempo. Desde de que o mundo é mundo vemos seu rastro na história da humanidade, sendo registrada de diversas maneiras, inclusive na arte como fonte de inspiração. Ela pode estar relacionada a fatores orgânicos, psicológicos, sociais ou a interação destes.

É um transtorno sério e preocupante que requer bastante atenção e um cuidado especializado na maioria das vezes. Entre os sintomas, eles ocorrendo de maneira frequente ou persistentes, estão a tristeza, apatia, sensação de vazio, ausência de prazer, isolamento, desinteresse generalizado e insônia. E nos casos mais graves, a completa prostração do indivíduo e a recorrência de pensamentos suicidas ou mesmo, tentativas.

A depressão é considerada pela OMS um transtorno grave, bastante comum e um problema que precisa ser enfrentado com devida seriedade. Os dados da OMS são chocantes, apontam para 350 milhões de pessoas com a doença no mundo todo. E a organização prever um aumento significativo na próxima década a ponto dela ser a mais prevalente, a mais comum de todas as doenças.

Não é à toa que um número cada vez maior de indivíduos procuram os consultórios médicos e psicológicos para tratarem desse transtorno. Ainda assim, por causa de um famigerado estigma que ela carrega há uma dificuldade no combate efetivo. Infelizmente, existe uma noção geral e leiga que vê a depressão como fraqueza do sujeito ou como um sinônimo de incompetência, preguiça e inferioridade. Encontra-se na clínica casos de pessoas que tinham esse preconceito, e só mudaram quando passaram pelo problema.

A boa notícia com relação a depressão é que existem tratamentos eficazes que podem ser acessados através de órgãos de saúde do governo ou entidades e profissionais particulares. Infelizmente, a realidade é que só metade das pessoas tem um acompanhamento adequado. E esses números podem ser  piores. O que revela que campanhas de esclarecimento e conscientização devem compor o quadro de atuação e combate ao que se tem nomeado de mal do século.

De toda sorte, clinicamente é sabido que aceitação da doença é o primeiro passo. E que a ajuda dos familiares pode ser fundamental no processo. E sem dúvida, ir em busca de ajuda de um profissional da área, e dá início ao tratamento é um passo importantíssimo para recuperação. Expor o problema a um psicoterapeuta faz a pessoa se sentir melhor e é um começo de uma jornada de transformação dos sentimentos. A depressão é uma doença tratável e curável, e mesmo os antigos sabiam disso.

E foi Hipócrates, considerado o pai da medicina no ocidente, quem primeiro descreveu suas características e criou o termo melancolia (depressão), segundo sua teoria de humores corporais. Que apontava o desequilíbrio entre esses humores como causa das doenças em geral, incluindo aí a depressão. Nesse sentido, a melancolia (“bile negra” em grego) estaria em excesso, representando neste caso a angustia e a tristeza.

Em Freud, ao falar da melancolia (depressão) em um dos seus textos, ele a compara com o luto, onde também há a tristeza, mas com uma diferença fundamental, que na depressão existe um sentimento de menos valia em relação ao próprio eu. Ou seja, na depressão existe um rebaixamento da autoestima, onde sentimentos ruins são dirigidos ao ego. Como dizia Freud, “um delírio de inferioridade”.

Freud também acreditava, que semelhante ao luto, na depressão havia também uma perda, só que de outra ordem. Ela não tem consciência ou entendimento do que perdeu. Sem mencionar o fato que a própria depressão pode estar mascarada. De toda sorte para a psicanálise, a nossa psique vive em conflito, podendo se acentuar ainda mais no embate com a realidade. Por isso, a importância da psicoterapia e a busca em ressignificar os conteúdos que vem à tona no tratamento

Para Jung, examinar história pessoal tinha particular importância, representava o segredo do paciente, segredo que o desesperou, portanto, a chave do tratamento. Via o homem em sua totalidade e não se deveria limitar apenas aos sintomas ou ao trabalho com o consciente. Para ele o homem sofria cada vez mais pelo fato de esperar por algo que nunca acontecia, e apesar de todas a distrações modernas, em algum momento, quando este cansado delas, o colocaria de volta ao caminho do drama existencial, ou seja, na busca de si mesmo.

Num certo sentido, independente de qualquer coisa, o homem necessita se decifrar, que é justamente o confronto com o inconsciente, suas questões, seus desejos e suas capacidades, e aqui não importando, se de natureza real ou simbólica.


Carlos Costa França

 

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