Meditar ou não meditar, eis a questão! SURYA MAHADEVA
Meditar ou não meditar, eis a questão!
(Com licença, Shakespeare.)
O que é mais nobre para a alma: sofrer calada as flechas da
angústia e do desejo, ou erguer-se contra um oceano de tormentas e, ao
enfrentá-las, conquistar a paz?”
Embora vivamos a reclamar do ritmo acelerado do mundo, há em
nossa cultura inúmeras possibilidades de relaxamento e contemplação — e a
música talvez seja uma das mais potentes. Ela nos convida a respirar fundo, a
desacelerar, a simplesmente ouvir. Nesse movimento sutil, nosso sistema
parassimpático só agradece.
Schopenhauer via na música instrumental algo que
ultrapassava o humano. Para ele, a música expressava diretamente a essência da
vontade cósmica — essa força irracional e primordial que move todas as coisas.
Uma arte metafísica, capaz de tocar o âmago da existência. Talvez por isso ela
nos pareça tão próxima da redenção
Aqui no Sul do Brasil, onde o vento risca histórias no dorso
dos campos, o canto da poesia de Luiz
Marenco e seus parceiros, surge como um canto de resistência — uma ode à
introspecção, ao silêncio que fala mais do que palavras, e à conexão íntima com
o tempo. Neste último dia de maio, trago à reflexão um de seus versos mais
luminosos:
“Senhor das Manhãs
de Maio”
“Meu galpão de
alma tranquila ressuscita todo dia (...)”
“Silêncio quando
posso, quando quero sou estrada,
Diviso as coisas
do tempo bem antes da madrugada.”
Há aqui uma sabedoria campeira que transcende o rural: o
galpão é mais que abrigo — é alma que se refaz. O poeta, em sua travessia entre
quietude e movimento, ensina que o tempo não é só cronologia — é paisagem
interior, algo que se percebe no limiar entre a sombra e a luz.
Essa reconstrução diária da calma soa como antídoto à
condição humana descrita por Schopenhauer: condenados a desejar
incessantemente, os homens oscilam entre a frustração e o tédio.
Mas Marenco propõe outro caminho: não a negação do desejo,
mas o cultivo da presença — como quem contempla o amanhecer e, mesmo antes do
sol, já compreendeu o dia. É o que o budismo chamaria de atenção plena.
Seria essa a verdadeira liberdade? Não a fuga da roda da
vida, mas a dança nela — com os pés descalços, sentindo o ritmo da terra?
Talvez sim. Talvez a saída esteja justamente nessa quietude:
na meditação, na arte, na leitura, na escuta atenta. No silêncio que revela. Na
respiração que ancora. Pausa.
É verdade que os caminhos para a paz nunca foram simples —
exigem esforço, disciplina, vontade. Mas na busca por leveza e serenidade,
podemos trilhar veredas menos óbvias. No meu caso, foi a cultura oriental —
especialmente o budismo — que me encantou desde cedo. Suas histórias,
filosofias e sua forma profunda de olhar a existência me conquistaram.
Foi dessa paixão e de uma epifania literária que nasceu
Surya Mahadeva – O Buda do Meio – A Luz no Sabre de Diamante.
Afinal, o que acontece quando um monge se torna rei? Como
conciliar ambição e paz interior? Por que escrevi sobre essa figura? Porque ela
representa o dilema humano por excelência: como unir força e sabedoria,
autoridade e compaixão?
Tudo começou lá atrás, nos tempos da faculdade de
odontologia — sim, eu era um jovem aspirante a dentista, com a cabeça cheia de
perguntas. Aos 18 anos, tive meu primeiro contato com o lamaísmo, o budismo
tibetano — e foi amor à primeira vista. A história do Tibete, seus
ensinamentos, sua resistência... tudo me marcou profundamente.
Agora, décadas depois, retorno a essas raízes com uma
pergunta essencial: como aplicar essa sabedoria milenar no caos do mundo atual?
Órfão criado entre os muros de um mosteiro, Surya cresceu
acreditando que a verdade habitava no silêncio e nas escrituras. Mas o universo
sussurrava outro destino: um caminho que se estendia além dos pergaminhos, onde
as maiores lições não estavam escritas — estavam vividas.
Seu passado velado tornou-se a chave de seu futuro. Para
encontrar a luz, precisou aceitar sua própria sombra — e a vida no mundo.
De monge a rei, governou não com o peso de uma coroa, mas
com a clareza conquistada no caminhar e no fluir do mistério da vida. Não
renunciou ao silêncio do claustro nem ao chamado do trono. Fundiu-os. E exerceu
o poder com compaixão e sabedoria.
A Jornada do Monge-Rei não fala de renúncia, mas de
transcendência. De abraçar todas as faces da existência. Surya cultivou a
meditação como raiz, mas também aprendeu com o ruído do mundo. Não negou o
poder, a riqueza ou o amor — compreendeu que a liberdade não está em possuir ou
desprezar, mas em permanecer inteiro, seja no recolhimento ou no esplendor.
Ter tudo — e, ainda assim, possuir apenas a si mesmo. Eis o
paradoxo do sábio.
Hoje, em plena era do mindfulness, revisitamos essas
fontes ancestrais. E talvez o segredo não seja tão complicado: respirar,
observar, deixar fluir. O resto? Deixa ser.
A Jornada do Monge-Rei não é só um livro. É um convite à
dança entre o eterno e o efêmero, entre o silêncio e o movimento. Porque o
caminho da iluminação é também o caminho do reflexo — entre a estrada e quem (e
como) a percorre. É viver, plenamente, sem medo de ser tanto tempestade quanto
bonança, mas caminhar atento, com atenção plena. E buscar, no coração da vida,
o centro de tudo: o eixo em si mesmo.
No mais, o livro simplesmente é lindo!
E, de fato, enquanto escrevia sobre Surya Mahadeva, foi
surgindo, quase sem aviso, a ideia de outro livro — o de Lackshmi. Como se, ao
traçar os passos daquele monge silencioso, uma presença oposta e complementar
começasse a tomar forma nas sombras da narrativa: uma mulher de origens reais,
filha de um rajá, cuja jornada não era feita de retiros e mosteiros, mas de
escolhas corajosas em meio ao mundo.
Uma história que, ao invés de seguir caminhos já trilhados,
ousava mostrar a iluminação não apenas como destino dos homens, mas também das
mulheres — e não apenas nos claustros, mas no coração palpitante da vida.
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