DIA INTERNACIONAL DA MULHER - ROMPENDO MUNDOS
Nesse Dia Internacional da Mulher, quis celebrar a
pluralidade feminina mergulhando em minhas próprias criações literárias —um
reflexo do feminino, ao menos sob a ótica da força e do sagrado.
Personagens como Urtra, uma feiticeira celta medieval
perseguida pela Inquisição francesa, cuja inteligência, independência e coragem
desafiaram os ditames e crenças de sua
época;
Amira, jovem tuaregue que, no deserto do Saara, encontra na
ancestralidade de sua tribo a força para preservar sua identidade e o prazer da
simplicidade em meio à aridez colossal;
Dra. Samantha, cientista computacional que decifra os
enigmas da computação quântica com genialidade e profissionalismo, e tem o seu
trabalho como prioridade na vida, embora carregue um mistério do povo nórdico;
Ctônia, sensitiva que enxerga além do véu do tempo, captando
os sussurros do mundo e a alma das coisas, embora perdida em seus próprios
sentimentos;
Penélope, engenheira química que abandona uma vida
convencional para seguir seus sonhos, mas o que
existe dentro dela é muito mais profundo e incrível de tudo que viveu
até ali, o destino — todas carregam, em suas jornadas, a complexidade do
feminino em diferentes épocas e contextos.
Partindo dessa referência, pensei em fazer um exercício, que não deixa de ser um
tanto complicado, mas possível, pois decidi realizar, numa espécie de "singularidade e transversalidade temporal
e literária" , uma reflexão a partir da perspectiva de Urtra — símbolo de
resistência e sabedoria ancestral — sobre o recente Oscar e os debates em torno
do etarismo, e, acenei por conta própria
e risco para o horizonte da sororidade.
A academia hollywoodiana ainda parece “tropeçar” em relação as
mulheres maduras, enquanto minhas personagens rejeitam limites, por exemplo: Amira
encontra poder na tradição e simplicidade diante do deserto, Samantha desafia a
obsolescência com inovação e entrega profunda a sua missão, e Ctônia transcende
o tempo com sua intuição cósmica, refazendo a histórica do seu mundo.
Este exercício é uma expressão literária e simbólica, não sou cinéfilo, nem fiz uma análise fílmica condizente ou consistente, sendo um recorte que pertence mais a “doxa”, a opinião, porém busca raízes mais profundas e estando na esteira da realidade no que concerne a situação da mulher em nosso tempo. Não se tratando de uma mera desconfiança.
Neste texto, aproveito para homenagear Hipátia de Alexandria, filósofa da antiguidade conhecida por sua sabedoria, com a seguinte frase (atribuída a ela): "Reservo o direito de pensar livremente, pois mesmo errando, sou eu quem pensa."
Como complemento — e não mero anexo, inclusive, isto foi anterior
a esse experiência textual —, fiz uma análise astrológica do mapa natal de
Fernanda Torres, cuja carreira de atriz abrange a multiplicidade de personagens e cuja personalidade,
carisma se presentificou nesses dias na campanha ao Oscar. Assim, analisei os trânsitos
planetários (num exercício contingente
dos principais aspectos que possam revelar a sincronicidade) durante o Globo de
Ouro e o Oscar que revelaram alinhamentos
interessantes e fascinantes.
Assim, entre ficção, realidade e a carga simbólica da astrologia,
entre a Idade Média e a era quântica, celebro o feminino em suas infinitas
formas — não como um "tema do
mês", mas como um legado entrelaçado à própria essência do mundo e esse
poder de demarcar algo num data. Parabéns, mulheres!
O
Rito
Urtra fala,
"A mulher não é um objeto de época, mas um continuum de
histórias de superação, reinvenção e ressignificação, mesmo quando tudo no
mundo esteve contra ela. Guardiã de narrativas, ela desafia o efêmero e
perpetua sua essência através do tempo."
Urtra, a feiticeira do Vale dos Lobos, acende uma fogueira
na clareira da vida no Dia Internacional das Mulheres. Mas esta não é uma
fogueira comum—é um rito, um reencontro consigo mesma. É uma prece sussurrada
ao vento, uma oferenda à lua crescente. E, como eco e sombra, há sempre luz e
voz.
No coração do Vale dos Lobos, onde o fogo dança com a terra
e os espíritos ancestrais sussurram através das folhas, Urtra ergue sua voz. Sua
história não nasceu neste século, mas sua voz ressoa com a urgência de uma
mensagem atemporal — um chamado ancestral que, como raízes profundas, rompe o
solo do presente para lembrar ao mundo: o que foi semeado em fogo há milênios
ainda arde em brasas vivas. Renascida como uma druidisa, nos tempos da
Inquisição, desafiou reinados e quebrou os grilhões da injustiça.
Em seu âmago, Urtra carrega o peso de batalhas ancestrais e
memórias sagradas, entrelaçadas à carne e à alma. Sonhos pulsantes se misturam
à matéria, segredos ocultos aos olhos dos homens, mas que irrompem em sua mente
como fontes luminosas. Cada gota é um grito primordial: “Nada nos detém, pois todo
sono desperta e os sonhos podem ser de muitos!”
Com olhos de fogo, Urtra enxerga além da ilusão do
progresso: as batalhas de hoje são ecos das lutas ancestrais, apenas ocultas
sob novos disfarces. Os inquisidores agora vestem ternos e manejam algoritmos,
os campos de batalha se expandiram para telas e redes, mas a essência permanece
do que é necessário, alimentar a consciência e o pensamento próprio. As
correntes que nos aprisionam já não são de ferro forjado, mas de códigos
digitais.
— "A terra não esquece o sangue derramado por mulheres
que ousaram simplesmente a existir, sendo apenas elas mesmas, pois a Terra é
Mãe. E mães guardam até a última lágrima de suas filhas e filhos",
sussurra Urtra, traçando misteriosos signos incandescentes no ar.— E se tentam
nos apagar, lembremos: o mundo nasceu do útero de uma mulher. Nossa existência
é a primeira revolução — Será que eles
jamais compreenderão isso?”
“Assim como as raízes sobrevivem ao inverno, nossa força
persiste. Mas o veneno do etarismo e do sexismo ainda sufoca florestas inteiras
das herdeiras e seus nomes honrados nas múltiplas tarefas diárias. Muitas vezes
sustentando sozinhas o peso de lares inteiros, além de também cuidarem sozinhas
dos filhos, mas ainda assim recebendo menos. E assim caminhamos, enquanto
nossas mãos, calejadas de criar vida, tecem raízes invisíveis que alimentam o
mundo.”
Urtra então ergue a voz para falar do Oscar de 2025, quando
uma jovem de 25 anos foi laureada, enquanto mulheres mais velhas — cujas
trajetórias foram esculpidas pelo tempo, talento e pela resistência— ainda que relegadas
à uma sombra generosa como indicadas a premiação.
Não se trata apenas
do enredo vencedor, mas do histórico dessa premiação, de um padrão que persiste
como um feitiço invisível, mas muito sentido e poderoso.
— "Celebraram a juventude como se fosse um mérito
único, ignorando que a sabedoria é uma chama que só arde após anos de labuta, e
que o talento não brota espontâneo, mas se depura com as vivências, o trabalho
e a dedicação. A idade não é um fardo, tampouco um defeito—é um testemunho de
que sobrevivemos. De que gestamos talentos, obras e feitos que moldam o
mundo!"
Embora o mérito possa existir em todas as fases da vida,
neste caso específico, a verdade se revelou com uma clareza cortante e gélida. Tão nítida, na verdade, que
gerou um incômodo profundo em muitas mulheres pelo mundo, impossível de
ignorar.
E Urtra evoca a imagem de Gaia, a Terra-Mãe, que acolhe e sustenta todas as idades em seu ventre fértil.
— "Assim como a terra não rejeita uma árvore centenária para favorecer um broto, nossa sociedade não pode descartar mulheres maduras em nome de uma beleza efêmera ou de uma narrativa conveniente. O que é o Oscar, senão um espelho da cultura? É bom, é ruim, é perverso? Não se trata de moralidade pura, mas de distorções programadas, de prioridades invisíveis ou simplesmente do reflexo de um mercado que dita quem merece ser visto e o que tem valor. Atentemo-nos!"
Urtra então ergue as mãos para o céu, sentindo o peso das eras nos ombros, mas sem ceder.
— "Hoje, vejo essas armadilhas claramente: mulheres
jovens sendo usadas como armas contra as mais velhas, como se nosso valor fosse
um banquete onde apenas uma pudesse se sentar à mesa. Mas o saber, a arte e a
história não pertencem a um único rosto ou idade—são raízes entrelaçadas que
sustentam toda a floresta.”
Mas Urtra não fala apenas de lamento. Seu fogo é de
transformação. — "A sororidade não é um conto de fadas. É a certeza de
que, juntas, somos vulcões. A jovem de 25 anos não é nossa inimiga — ela é
nossa irmã, carregada pelo mesmo sistema que depois a descartará. Nossa luta é
por todas: para que a menina que venceu hoje não se torne a esquecida amanhã."
Ela ergue seu bastão, entalhado com símbolos de ciclos
infinitos.
— "No Vale dos
Lobos, honramos todas as fases da lua. A jovem, a mãe, a anciã — cada uma com
seu poder. Que esse Oscar de 2025 seja um grito, não um epitáfio. Que as
mulheres se lembrem: nossa força está na irmandade, não na competição. E que os
homens e mulheres deste mundo aprendam, enfim, que o tempo não apaga nosso
valor — ele o fortalece."
Urtra conclui com um desejo, sua voz firme como o vento que
atravessa as eras:
— "Que um dia esses prêmios não apenas referencie o
talento de uma mulher, mas sua capacidade de acender luzes em outras. Até lá,
queimaremos as amarras do preconceito, como um fogo purificador que liberta
nossas almas, alimentado pelo calor de nossos corações e pela força de nossos
talentos. Pois somos feitas da mesma terra que sustenta as montanhas —e
duraremos muito mais que qualquer estatueta."
Como escreveu Simone de Beauvoir, "Ninguém nasce
mulher: torna-se mulher" . E é nesse tornar-se — processo de escavação e reinvenção — que
esculpimos nossas histórias nas entranhas do tempo, resistimos à efemeridade e
reafirmamos nossa existência.
E então, o vale reverbera: o rugido das lobas ancestrais
ecoa nas vozes das que hoje desafiam o silêncio. Passado e presente
entrelaçam-se em um único uivo, feroz e ancestral , que rasga a noite do
esquecimento. Não é apenas um som — é um testemunho coletivo , uma linguagem
que transcende gerações e se recusa a ser apagada.
Escritor
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