A NECESSIDADE E OS DESFAVORES DO LUTO: UMA ANCORAGEM NA CORAGEM DA VIDA
A NECESSIDADE E OS DESFAVORES DO LUTO: UMA ANCORAGEM NA CORAGEM DA VIDA
"Tudo leva tempo, e o tempo leva tudo."
A imagem escolhida retrata o rapto de Perséfone por Hades, o deus do submundo na mitologia grega, conhecido como Plutão na mitologia romana. O nome "Plutão" deriva da palavra latina que significa "o rico em hóspedes", uma referência à sua associação com as riquezas da terra e ao papel de anfitrião no reino dos mortos.
A morte é um tema que atravessa a história da humanidade, mas sua presença em nossas vidas ainda é cercada por tabus. Recentemente, tive uma conversa profunda com um amigo sobre como as pessoas evitam discutir abertamente suas preferências ou desejos relacionados à morte, como "como eu gostaria de morrer".
Esse diálogo surgiu de maneira inesperada enquanto comentávamos uma revisão do meu livro Exu e a Máquina do Tempo , uma obra de ficção científica na qual um astrofísico viaja no tempo e encontra Santos Dumont. Eu estava empolgado com minha própria redescoberta do livro, e essa narrativa acabou nos levando a refletir sobre algo muito particular: o medo de voar.
Para meu amigo, o avião representava uma espécie de arrogância humana, uma tentativa de desafiar os limites naturais e ignorar a fragilidade da vida. Ele argumentava que, ao criar tecnologias como aviões, o ser humano estava tentando controlar o incontrolável. Sua visão era carregada de simbolismo, mas também revelava um desconforto existencial frente à mortalidade. ( Só espero ter captado bem sua perspectiva a respeito, de toda sorte esse texto vai para ele. Assim, nada de mais.)
Já eu sou o oposto nesse aspecto. Enquanto ele via no voo uma ameaça à nossa finitude, eu enxergava uma celebração da capacidade humana de superar limites. Essa diferença de perspectiva tornou-se ainda mais evidente quando lembrei do meu filho, engenheiro aeronáutico e aeroespacial, que atualmente faz doutorado em aerodinâmica para drones em outros planetas.
Contudo, decidi não mencionar isso durante a conversa. Afinal, o objetivo não era convencer, mas escutar e compreender o outro. Foi uma escuta psicológica, ancorada no sentir alheio, mais do que um embate de argumentos. Algumas reflexões e questionamentos surgiram — sobre estatísticas, pontos de vista —, mas sempre com o cuidado de respeitar a subjetividade envolvida.
Foi interessante perceber como certas crenças podem ser profundamente significativas na vida de alguém. No caso do meu amigo, imaginei o quanto seria angustiante para ele viajar frequentemente de avião. Definitivamente, não era o caso.
Decidi escrever sobre essa experiência também por outros motivos. Na clínica de psicologia, tenho acompanhado casos de luto, muitas vezes duradouros, que se estendem por anos, causando grande sofrimento psíquico.
O avião, nesse contexto, tornou-se uma metáfora poderosa para explorar as complexidades da condição humana diante da morte, ao menos assim eu julguei e segui com uma interpretação mais geral
O Avião como Metáfora
Para meu amigo, o avião era mais do que um meio de transporte; era uma metáfora para a vulnerabilidade humana diante da morte. Ele optava por viajar de carro sempre que possível, pois sentia que essas formas de locomoção eram mais "naturais" e menos propensas a nos fazer esquecer nossa mortalidade.
O avião, por outro lado, parecia um lembrete constante de que estamos sujeitos a forças maiores — uma falha mecânica, condições climáticas adversas ou até mesmo um acidente fatal poderiam interromper nossa jornada a qualquer momento, e de várias pessoas ao mesmo tempo. Esse medo, embora irracional para muitos, refletia algo mais profundo: o desconforto humano diante da ideia de que não temos controle total sobre nossas vidas.
Minha perspectiva, no entanto, é diferente. Para mim, o avião simboliza exatamente o oposto: a capacidade humana de superar limites e transcender a própria fragilidade. Quando entro em um avião, penso na engenhosidade e no trabalho coletivo que permitiram tal feito. Superação de tempo e distância. Simplesmente fantástico.
Não vejo arrogância, mas coragem. É verdade que voar envolve riscos, mas isso também é parte do que torna a experiência tão significativa. Ao aceitar o risco, reconhecemos nossa mortalidade sem nos paralisarmos diante dela. Em vez de evitar o tema da morte, encaramos a possibilidade de perigo como parte inevitável da vida.
O Papel dos Tabus na Discussão sobre a Morte
Esse contraste entre meu amigo e eu reflete um dilema maior: como lidamos com a morte e os riscos associados a ela? Desde Sigmund Freud, sabemos que a morte é um dos grandes tabus da civilização. Em seu ensaio Além do Princípio do Prazer , Freud introduziu o conceito de Tânatos, o instinto de morte, como uma força inerente ao ser humano. Enquanto Eros (o instinto de vida) busca conexão, crescimento e perpetuação, Tânatos nos inclina em direção ao retorno ao estado inorgânico, à quietude final. No entanto, nossa cultura ocidental tende a reprimir essa dualidade, priorizando a vida e tratando a morte como algo a ser evitado ou ignorado.
Esse tabu se manifesta de maneiras sutis no dia a dia. Por exemplo, muitas pessoas sentem desconforto ao discutir suas preferências para o fim da vida, como o desejo de ter um funeral simples, de doar órgãos ou de decidir antecipadamente suas diretrizes médicas. Essa resistência pode ser compreendida como uma forma de negação coletiva, uma tentativa de evitar o confronto com nossa própria finitude. No entanto, ao não falarmos sobre a morte, estamos nos privando de lidar com questões essenciais sobre o significado da vida e o legado que queremos deixar.
A visão de Carl Gustav Jung sobre a morte é profundamente simbólica, psicológica e espiritual, refletindo sua abordagem ampla e holística da existência humana. Para Jung, a morte não é apenas um fim biológico, mas também um processo interno de transformação e renovação que ocorre ao longo da vida. Ele via a morte como parte integrante do ciclo natural da existência, algo que pode ser enfrentado com significado e até mesmo como uma oportunidade para crescimento psicológico e espiritual.
Jung entendia a morte como um símbolo de mudança profunda e transformação interna. Em seus escritos, ele frequentemente destacava que a morte física não deve ser vista apenas como o fim da vida, mas como uma transição para outra forma de existência. Essa perspectiva está alinhada com muitas tradições espirituais e mitológicas que associam a morte ao renascimento ou à continuidade em outro plano.
No livro "Memórias, Sonhos, Reflexões" , (que recomendo demais para todos) Jung descreve suas próprias reflexões sobre a morte, especialmente em seus últimos anos de vida. Ele relata sonhos e visões que o ajudaram a aceitar a inevitabilidade da morte como parte de um processo maior. Para ele, o medo da morte muitas vezes está relacionado à resistência à mudança e à incapacidade de aceitar o desconhecido. A morte, nesse sentido, é uma oportunidade para transcender os limites do ego e acessar dimensões mais profundas do inconsciente.
Nos sonhos, a morte frequentemente aparece como um símbolo de transformação pessoal. Por exemplo, morrer em um sonho pode representar o fim de uma fase da vida (como uma carreira, um relacionamento ou uma identidade) e o início de outra. Jung interpretava esses sonhos como mensagens do inconsciente, convidando o indivíduo a abandonar velhas estruturas e abraçar novas possibilidades.
No ensaio "Sobre a Relação da Psicologia Analítica com a Concepção de Vida após a Morte" , ele sugere que a morte pode ser vista como uma "transição" para outra forma de existência, talvez em um nível mais sutil ou espiritual. Ele argumenta que a psique humana tem uma capacidade inerente de transcender as limitações materiais, e que essa transcendência pode ser experimentada tanto durante a vida quanto após a morte.
Para Jung, a ideia de vida após a morte não precisa ser compreendida literalmente, mas sim como uma extensão da jornada psicológica e espiritual iniciada na vida terrena. Ele acreditava que o inconsciente coletivo — o reservatório compartilhado de experiências humanas acumuladas ao longo da história — poderia continuar a influenciar a consciência individual, mesmo após a morte.
Aceitação da Mortalidade
Uma das contribuições mais significativas de Jung para a compreensão da morte é sua ênfase na importância de aceitar nossa mortalidade enquanto vivemos. Ele via isso como crucial para o desenvolvimento psicológico saudável. Negar ou evitar a realidade da morte pode levar a uma vida superficial, onde o indivíduo se apega excessivamente ao materialismo ou ao ego, evitando o trabalho interior necessário para alcançar a individuação.
Em seus últimos anos, Jung afirmou que a proximidade da morte lhe proporcionou uma sensação de paz e reconciliação. Ele escreveu que, ao encarar a morte diretamente, podemos encontrar um sentido mais profundo para a vida e nos libertar do medo que frequentemente paralisa o ser humano.
Morte e Luto: Uma Perspectiva Psicológica
Como psicólogo, tenho observado que o luto é uma das experiências mais desafiadoras para meus pacientes. O processo de perder alguém querido, seja pela morte física ou por outras formas de separação, como o fim de um relacionamento ou o abandono emocional, é marcado por uma intensa dor emocional. O que mais me chama a atenção, no entanto, é como muitas pessoas ficam presas nesse sofrimento, incapazes de seguir em frente.
O luto é um processo natural, mas exige tempo, paciência e respeito. Não podemos apressá-lo nem ignorá-lo. Por outro lado, também não podemos permitir que ele se torne uma prisão emocional. Como diz o ditado popular, "para tudo há um tempo, e o tempo leva tudo." Isso significa que, embora o tempo seja necessário para curar as feridas, ele não faz isso automaticamente. É preciso um esforço consciente para integrar a perda à nossa narrativa pessoal, transformando-a em aprendizado e crescimento.
Um ponto importante a destacar é que o luto não é exclusivo da morte física. Pessoas mais jovens, por exemplo, podem enfrentar processos semelhantes ao passarem por transições importantes, como a saída da adolescência para a vida adulta ou a adaptação a novas responsabilidades. Esses momentos de mudança envolvem "mortes simbólicas" — o fim de uma fase da vida — que também exigem luto e adaptação.
Os Ciclos de Vida, Morte e Renascimento
Não posso deixar de mencionar conteúdos simbólicos e mitológicos de que tanto gosto, e fiz um apanhado de algumas mitologias.
Redescobrir recentemente a frase atribuída a Herácles — "Não pranteio pelas provações que enfrentei, pois elas me moldaram. Cada obstáculo foi um passo rumo à glória" — me deixou sumamente empolgado. Essa poderosa expressão de resiliência sintetiza não apenas o mito do herói grego, mas também uma lição universal sobre como encarar as adversidades da vida. Ela nos ensina a não enxergar os desafios como punições, mas como oportunidades para transformação e transcendência dos próprios limites.
Comentei sobre algumas mitologias aqui — desde as histórias de renascimento egípcias até as nórdicas, celtas, hindus e indígenas —, mas sem adentrar na dimensão da religiosidade ou espiritualidade em si, que é algo profundamente pessoal e intransferível.
Cada ser humano carrega sua própria relação com o sagrado, e essa riqueza individual é o que torna essas tradições tão fascinantes e significativas. No entanto, a força dessa frase de Herácles transcende qualquer contexto específico, sendo um chamado universal à coragem, à aceitação e à superação diante dos desafios da vida.
Os ciclos de vida, morte e renascimento são temas universais que atravessam culturas, mitologias e religiões. No Egito Antigo, o mito de Osíris, Ísis e Hórus é um dos exemplos mais emblemáticos dessa narrativa eterna. Segundo a lenda, Osíris, o deus da vida e da fertilidade, foi traído e assassinado por seu irmão Set, que despedaçou seu corpo e o espalhou pelo Egito. Ísis, sua esposa devotada, reuniu os fragmentos de Osíris e, com seus poderes mágicos, conseguiu ressuscitá-lo brevemente para conceber Hórus, o deus falcão. Embora Osíris não pudesse retornar completamente ao mundo dos vivos, ele se tornou o soberano do submundo, simbolizando a promessa de renascimento e vida após a morte. Esse mito reflete a crença egípcia na imortalidade da alma e no ciclo contínuo da natureza.
Na mitologia celta, encontramos paralelos fascinantes. O festival de Samhain , celebrado no final de outubro, marca o fim do ano agrícola e o início do inverno. Para os celtas, esse era um momento em que as fronteiras entre o mundo dos vivos e o dos mortos se tornavam tênues, permitindo que ancestrais e espíritos retornassem para visitar os vivos. Era um período de reflexão sobre a mortalidade, mas também de celebração da continuidade da vida através dos ciclos naturais. Outro exemplo marcante é a figura do deus Cernunnos , associado à natureza, à renovação e aos animais. Ele representa a conexão entre a vida e a morte, simbolizando como tudo na natureza é reciclado e renascido.
Na mitologia nórdica, o tema de renascimento também está presente, embora de forma mais sombria. A história do Ragnarök , o crepúsculo dos deuses, narra o colapso do cosmos e a subsequente renovação do mundo. Após batalhas cataclísmicas e a destruição de muitos deuses, incluindo Odin e Thor, a terra emerge renovada, e uma nova geração de deuses e humanos começa novamente. Essa visão cíclica do fim e do recomeço reflete a crença nórdica na inevitabilidade da mudança e na esperança de novos começos mesmo após grandes perdas.
No hinduísmo, o conceito de samsara — o ciclo de nascimento, morte e renascimento — está no coração da filosofia e da espiritualidade. Tudo no universo está sujeito a esse ciclo, guiado pelo carma, ou seja, pelas ações acumuladas ao longo das vidas. A libertação desse ciclo, conhecida como moksha , é o objetivo supremo, representando a união com o divino. Deuses como Shiva , o destruidor e transformador, e Vishnu , o preservador, encarnam aspectos desse ciclo eterno. Por exemplo, Vishnu frequentemente assume avatares (como Rama e Krishna) para restaurar o equilíbrio cósmico, simbolizando a constante renovação do universo. O hinduísmo nos ensina que a morte não é um fim, mas uma transição para uma nova fase de existência.
Entre os povos indígenas americanos, os ciclos da natureza também estão profundamente enraizados em suas tradições espirituais. Muitas tribos, como os Lakota, Cherokee e Navajo, veem a vida como um ciclo interligado, onde tudo — seres humanos, animais, plantas e até o vento e as águas — possui um espírito. O conceito de renascimento pode ser observado nas histórias de criação e transformação. Por exemplo, os Lakota celebram o ritual do Inipi , ou banho de suor, que simboliza a purificação e o renascimento espiritual. Já os Hopi, no sudoeste dos Estados Unidos, têm mitos sobre o emergir de diferentes mundos após catástrofes, refletindo a ideia de renovação após o caos. Essas tradições enfatizam o respeito pela natureza e a compreensão de que a morte é apenas uma parte do ciclo maior da vida.
Nas civilizações sul-americanas pré-colombianas, como os maias, astecas e incas, os ciclos de vida, morte e renascimento também são centrais. Para os maias, o deus Hun Hunahpú foi sacrificado e descendeu ao submundo, onde seus filhos gêmeos realizaram façanhas heroicas para honrá-lo e garantir sua ressurreição simbólica. Esse mito reflete a importância do sacrifício e da renovação no calendário maia, especialmente no contexto do ciclo venusiano. Entre os astecas, o deus Quetzalcóatl , representante da vida e da sabedoria, desceu ao submundo para recuperar os ossos dos antigos humanos, permitindo que a humanidade renascesse. Já os incas veneravam o Sol como fonte de vida e renovação, personificado no deus Inti , cujo retorno diário simbolizava a vitória da luz sobre as trevas. Essas culturas viam o universo como uma teia interconectada, onde cada fase — desde a semeadura até a colheita, desde o nascimento até a morte — fazia parte de um ciclo sagrado.
Esses mitos antigos ecoam profundamente nas tradições religiosas posteriores, como a Semana Santa no cristianismo e a Páscoa judaica. A Semana Santa é um período central no calendário cristão, marcado pela celebração da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo. A crucificação de Jesus simboliza o sacrifício supremo, enquanto sua ressurreição representa a vitória sobre a morte e a promessa de vida eterna. Esse ciclo de sofrimento, morte e renascimento espiritual ressoa com os mitos pagãos de renovação, embora esteja enraizado em uma perspectiva teológica específica.
Por outro lado, a Páscoa judaica (ou Pessach ) celebra a libertação do povo hebreu da escravidão no Egito, conforme narrado no livro do Êxodo. Durante a Páscoa, os judeus realizam o Sêder, uma refeição ritualística que relembra a travessia do Mar Vermelho e a jornada rumo à Terra Prometida. O matzá, ou pão ázimo, consumido durante a festa, simboliza a pressa da partida dos israelitas e o renascimento de uma nação livre. Assim como nos mitos antigos, a Páscoa judaica enfatiza a superação da opressão e o início de uma nova fase de liberdade e esperança.
Essas tradições — tanto as antigas quanto as modernas — compartilham um núcleo comum: a ideia de que a morte e o sofrimento não são finais, mas passagens para algo novo. Seja na ressurreição de Osíris, na renovação do Samhain, na reconstrução do mundo após o Ragnarök, no samsara hindu, nas transformações espirituais dos povos indígenas americanos, nos ciclos cósmicos das civilizações sul-americanas, na ressurreição de Cristo ou na libertação dos hebreus, essas histórias nos lembram da coragem necessária para enfrentar as perdas inevitáveis da vida e da fé em um futuro renovado. São narrativas que nos conectam uns aos outros, atravessando tempos e culturas, e que continuam a inspirar reflexões sobre sacrifício, transcendência e renascimento.
As Múltiplas Mortes na Vida
Ao longo da vida, experimentamos diversas formas de morte que, embora menos visíveis, são igualmente impactantes. A morte de um relacionamento, por exemplo, pode ser tão devastadora quanto a perda de um ente querido. Ela marca o fim de uma conexão profunda e nos obriga a redefinir nossas expectativas e identidades. Da mesma forma, o término de uma fase importante — como a saída da adolescência para a vida adulta, a aposentadoria ou a mudança para um novo país — envolve deixar para trás algo conhecido e enfrentar o desconhecido. Essas "mortes" simbólicas são parte essencial do processo de crescimento humano.
Essa perspectiva ampliada da morte nos ajuda a compreender melhor as reflexões filosóficas sobre o tema. Epicuro, por exemplo, argumentava que a morte não deve ser temida porque, enquanto estamos vivos, ela ainda não chegou; e quando ela chega, já não estamos mais aqui para senti-la. Essa ideia pode ser aplicada também às pequenas mortes da vida: elas não são o fim absoluto, mas transições que nos preparam para novos começos. Platão, por outro lado, via a morte como a libertação da alma do corpo, uma passagem para uma dimensão superior. Essa visão espiritual pode nos confortar ao pensarmos nas perdas como oportunidades para transcender limitações e evoluir.
A Visão Poética de Fernando Pessoa
Fernando Pessoa, com sua multiplicidade de vozes e heterônimos, oferece uma rica perspectiva sobre a morte e o luto. Em seus poemas, encontramos tanto o ceticismo materialista de Álvaro de Campos quanto a serenidade estoica de Ricardo Reis e a sensibilidade mística de Bernardo Soares. Essa diversidade reflete a complexidade do próprio ser humano diante da morte. Em "Tabacaria" , Campos expressa uma visão quase epicurista, sugerindo que a vida e a morte são insignificantes diante da vastidão do universo. Já em Livro do Desassossego , Soares reflete sobre a ilusão do tempo e a imutabilidade do Ser, ecoando as ideias de Parmênides.
No entanto, Pessoa também reconhece a importância do luto e da transformação interior. Em versos como "Morre lentamente quem não viaja, quem não lê, quem não ouve música..." , ele nos lembra que a verdadeira morte não é apenas física, mas também emocional e espiritual. Para viver plenamente, precisamos aceitar as perdas e seguir em frente, mesmo que isso implique enfrentar a dor.
Conclusão: A Morte como Portal
A morte, seja ela literal ou simbólica, é um portal que nos convida a refletir sobre o significado da vida e da existência. As múltiplas mortes que experimentamos ao longo da vida nos ensinam que o crescimento humano está intrinsecamente ligado à capacidade de lidar com a perda. O luto, embora doloroso, é necessário para que possamos integrar as experiências passadas e abrir espaço para novos ciclos. A próprio nascimento é uma manifestação de algo que morre e renasce.
Filósofos como Epicuro, Platão, Sócrates e Parmênides, bem como poetas como Fernando Pessoa, nos oferecem diferentes perspectivas sobre a morte, cada uma delas valiosa em seu contexto. A chave está em encontrar equilíbrio: respeitar a dor do luto sem nos paralisar nela, e reconhecer que, assim como tudo na vida, a dor também é passageira. Como escreveu Pessoa: "Tudo vale a pena se a alma não é pequena." E, talvez, seja exatamente por meio do enfrentamento da morte e do luto que podemos expandir nossas almas e alcançar uma compreensão mais profunda da vida.
É fundamental respeitar o ritmo individual de cada um no enfrentamento do luto. Não existe uma fórmula única ou um prazo exato para superar uma perda. Como diz o adágio popular, "para tudo há um tempo, e o tempo leva tudo." No entanto, isso não significa que devemos nos entregar passivamente à dor. É necessário fazer um esforço consciente para integrar a perda à nossa narrativa pessoal, transformando-a em aprendizado e crescimento. O luto não é apenas sobre perder algo, mas também sobre redescobrir quem somos após a perda.
Carlos Costa França
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