MACHADO DE ASSIs


(texto do mês de junho de 2020)

Estou diante de Machado. De seu retrato, estudando e avaliando seus traços fisionômicos, redescobrindo seu rosto, tentando ler sua personalidade naquela foto antiga e tão conhecida dele. E sem o saber inteiramente, naquele instante eu havia decidido desenhá-lo. Estava voltando ao desenho depois de quase mil anos (esse retorno são frutos customizados de uma pandemia, acreditem!). Com toda certeza, sem exageros, mais de 10 anos já se havia passado desde o meu último desenho livre. Então, porque não começar por aí? Nunca fui um leitor regular de Machado, devo confessar. Li suas obras no ginásio. Um bom ginásio por sinal.

Anos mais tarde, na minha primeira formação universitária, época em que nem imaginava ser um escritor, caiu em minhas mãos escritos machadianos, contos (gênero que nunca me enveredei, mas que estou pensando ultimamente). Pude ler de uma forma mais amadurecida e com valores literários maiores também. Ali, pensei mais ou menos isto, "agora entendo melhor a crítica elevada sobre Machado, esse cara realmente foi um gênio. 

Escreve bem demais!" e refleti ainda, tomando emprestado o que alguém já dissera sobre outro fato assemelhado, "se a língua portuguesa tivesse a penetração que a língua inglesa tem no mundo, certamente ele seria muito mais aclamado". Minha vela padrão, como se diz em astronomia, em referência as estrelas supernovas para mensurar distâncias e a idade do universo, era Shakespeare, que para mim era a luz máxima. Shakespeare havia me impactado tanto que cheguei a pensar uma certa feita, "o mundo acabou aqui, somos todos fantasmas como o pai de Hamlet, só que numa peça bem menor".

Assim, era uma avaliação robusta e socorria a mim mesmo para uma maior presença machadiana. Contudo, os valores insepultos da rotina e das necessidades avançam contra qualquer disposição. E quando não aprisionam, sofre-se com as enfermidades advindas dos seus míseros calabouços. Felizmente o tempo passa e ergue-se jovem novamente, e como senhor de si apresenta-nos o imperecível, o nosso próprio ser. 

E de dentro do tornado das labutas costumeiras ou não, sentimos um certo despertar, um frescor primaveril, aqueles bons ares novamente que promovem novos caminhos. Foi o que aconteceu comigo em relação a Machado mais recentemente. Não que não tivesse havido outros, até com relevância, acredito eu. Pelo menos é o que posso agora alcançar de memória.

Desta vez, um outro fato, o falecimento de Rubem Fonseca em abril, muito recente, colocou-me novamente numa rota meteórica dos escritores brasileiros. Na minha concepção, quando um escritor morre o mundo empobrece um pouco. Neste caso em particular, fiquei muito sentido com a morte dele. O estranho é que não tinha proximidade com mesmo, ou lido em qualquer tempo muito de sua obra. Não perdi tempo, fui ler sobre a vida e obra de Rubem mais acuradamente.

Descobrir que teve várias profissões e atividades antes de ser escritor, algo até mesmo tardio, mas que refletia a minha própria realidade. Laureado com prêmios como o Jabuti e também ganhador do Prêmio Camões em 2003, o mais prestigiado concurso literário da língua portuguesa. E aquilo, pela primeira vez, ensejou uma vontade de participar do Prêmio Jabuti. E como autor independente, nem sabia se era possível participar do prêmio. 

Foi o momento que me veio à mente Machado de Assis ou no entorno desse momento. Mas já era final de abril, e o prêmio ia encerrar as inscrições. Simplesmente não dava tempo, pois tinha que preparar os livros para o formato exigido. Dei início ao processo, seguir o destino por assim dizer, e na última semana de abril foi adiada as inscrições do prêmio até o final de maio. Fiz uma promessa, que desenharia Machado se desse tudo certo com as inscrições. E assim o fiz.

Fiz algumas pesquisas de suas fotos, e de fato houve, infelizmente, uma tentativa sistemática de branquear Machado de Assis. Digam-me, existe alguma coisa que não seja podre no reino da Dinamarca? É uma impressão minha ou o Brasil tem uma aptidão residual para inovar a barbárie? Essa tentativa de embranquecer o Machado causou alguns equívocos lamentáveis, até dele não ser contra a escravidão, confundindo com fato dele ter sido monarquista, pois de fato aguardava o terceiro reinado.

 Assim, tentei dá ao desenho uma maior realidade nesse aspecto. Na atualidade, felizmente, cresce o interesse em mudar isso, popularizando o que seria sua verdadeira cor e imagem. Machado de Assis era negro, um gênio e um exemplo maior por sua vida e dedicação, um gigante, um luminar para a toda uma sociedade e mesmo, para a humanidade. Necessitamos sair dos escombros terríveis do preconceito e refazer a historicidade, legitimar os melhores valores humanos para que a sociedade seja una no que lhe é superior. O espírito livre, criativo, reflexivo e ético. E claro, se guiar por eles.

Nesse mês de junho, mês do seu nascimento, a nova tradução para o inglês de Memórias Póstumas de Brás Cubas, em meio a protestos contra o racismo nos Estados Unidos, foi esgotada. É um marco, principalmente pelo símbolo que isso invoca. E para mim tem um sabor especial, pois o revisitei um tanto antes com caloroso interesse. Também como uma chancela para meus dois livros no Prêmio Jabuti, EXU E A PARTÍCULA DE HIGGS e O AGORA EM VERSOS. ]

Parabéns, Machado, por trazer uma luz necessária a esta humanidade que ainda precisa tanto refletir sobre valores humanos e sociais, quase nada diferente de seu tempo, pasme! Valores, situações, aspectos, comportamentos humanos que foram tão rica e primorosamente construídos em seus escritos, em sua excelência literária. Você é universal, pois fala sobretudo de um lugar, do lugar humano.

Carlos Costa França

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