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MINHAS PALAVRAS - FUTURO REVELADO É UM FUTURO QUE PODE SER MUDADO?


No meu livro, Quando Dormem as Feiticeiras, há uma enigmática e veemente sentença dita por uma das personagens, “todo futuro revelado é um futuro que pode ser mudado”. Sentença esta que, volta e meia, tem sido mencionada   para validar ou justificar uma certa ação frente a um futuro conhecido, quando este é pouco ou nada promissor. Diante disso, o indivíduo prefere seguir um caminho mais fácil, impulsionado pelo próprio desejo, expectativa ou ilusão. Em  detrimento a uma  leitura mais madura e realista dos fatos.

“A ilusão é o primeiro de todos os prazeres” afirmava o filósofo Voltaire. Mas de fato, esse futuro previsto, inclusive, pode não ter nada de vidente, presciente ou místico. É tão somente algo evidente. De toda sorte,  esperar da natureza humana uma ação reflexiva e consciente, longe das paixões, dos desejos, dos interesses, e mesmo, das identificações bizarras ou escandalosas é esperar muito. Um passeio pela história nos convenceria rapidamente a esse respeito. Em verdade, a simples experiência do dia-a-dia  nos é suficiente quanto a isso.

Por outro lado, sabemos que certas crenças podem estar profundamente enraizadas na psique do indivíduo. Especialmente aquelas que se formaram como resultado das primeiras experiências de vida, mas não passaram por todas as etapas do amadurecimento. O viver para aprender.  Assim, pretendo contribuir com uma espécie de “exegese”, de uma  análise desta sentença para que posteriores interpretações possam ter melhores referências.

De um modo geral, somos chamados a  tomar uma posição diante dos acontecimentos a fim de seguir nosso próprio caminho. Embora nem sempre o façamos com discernimento e clareza. De longe, é saudável e promissor seguir nossos instintos sobre o que melhor para nossas vidas. Contudo, é necessário atenção e cuidado redobrados. Pois há sempre um trabalho por se realizar  nas coisas todas e, sobretudo, dentro do processo de escolha, que  em si, já é difícil.

Explicado isso,  preciso mencionar que meu livro é um romance, e, seu fluxo narrativo obedece a um imperativo literário de uma obra ficcional por excelência, contendo conexões internas que fazem sentido naquele universo criado. Por outro lado, isso não implica que não existam verdades em sua narrativa através de conceitos e expressões. A arte imita a vida com força própria, não raro, amplia a perspectiva e revela significados importantes. E sem o querer exatamente, educa o sujeito e o instiga a novas reflexões e ideias.

É o que ocorre com a expressão citada, inspirada em tradições místicas e mitologias de muitos povos, sugerindo que o dom da presciência, profecia e coisa que o valha é uma forma de prevenção espiritual e/ou existencial para que determinados acontecimentos sejam assim evitados, trabalhados. E não, o contrário, formas imutáveis, engessadas que vão ter seu curso de qualquer maneira. Dessa maneira, pode-se afirmar que na expressão, “todo futuro revelado é um futuro que pode ser mudado” já cabe, logo de cara, alguns questionamentos nesse “pode”.

Primeiro de ordem ética, se é desejável e sábio; também se há potência para tanto, ou seja, se existe uma ação ou instrumento a disposição do indivíduo capaz de mudar aquele destino; e mais, se  há tempo para modificar o que foi revelado. E por fim, qual o nível de mudança que pode ser realizada nessa presciência de fatos ou acontecimentos, que sobrevieram por algum meio.  Falando de outro modo, esse “pode” é em princípio, em potencial, não significa que se consiga ou se chegue a tempo para mudar os efeitos de certa situação prevista, premeditada.   Por vezes, é uma antevisão para nos prepararmos para o inevitável.

Ou seja, a mudança é tão somente interna e nos cabe uma atitude nova diante dos acontecimentos que ainda terão lugar. Há também em narrativas mitológicas, previsões e presciências que se estabelecem como forma de autoconhecimento, cabendo ao indivíduo, por sua própria conta e risco, descobrir e interpretar o que lhe foi revelado. Dessa forma, dar conta da situação imposta da melhor forma possível. O que lhe exige esforço e superação dos desafios, e isso, invariavelmente,  leva a transformação do próprio ser. A experiência tem normalmente um gosto amargo para a maioria das coisas.

Esse tipo de experiência faz parte da “tragédia” humana. É uma vivência arquetípica, ou seja, segue um modelo predeterminado e ancestral, contido no rol de experiências da humanidade para promover o  crescimento do ser através das provas existências.  O sujeito aprende após muito sofrimento e atrasos. Embora o sofrimento não seja a regra mor para tudo, funciona como um dispositivo de compensação, de um gatilho, de um sinalizador, bem mais poderoso do que palavras e crenças. Dessa forma a pessoa se transforma, muda, buscas as ações mais corretas.

É o caso de Édipo, que no fim de sua história se torna um herói, mas só depois de vivenciar a mais temível e terrível tragédia do mundo grego. E vir a descobrir quem realmente ele era, e o que deveria enxergar em sua história pessoal, levando a um nível mais profundo do seu autoconhecimento, portanto, válido para cada ser humano também. No caso de Anakin Skywaker em Star Wars, era o retorno a natureza primeira, boa, genuína, generosa,  que por uma ferida narcísea da infância,   sede ao lado sombrio e negativo, ativado pelo medo e pela raiva. E só muito tempo depois  Anakin será resgatado pelo amor que sente pelo filho.

Em Harry Potter, na profecia narrada nessa história, há uma relação de sombra e espelho entre o protagonista e o vilão. Somente um poderá viver. Tal conhecimento define o caminho a ser tomado, e que o bem tem que lutar para prevalecer. Não é dado. E isso é uma verdade para todas os mitos citados. Só a título de esclarecimento, o sofrimento humano no que tange a mitologia acontece por causa da hybris do indivíduo, ou seja, tudo que passa da medida. É o descomedimento, o desequilíbrio, os extremos do caráter, atitudes e etc.

Dito tudo isso, vamos agora a um exemplo alegórico de um futuro revelado nos modos como se tem lidado com a sentença do meu livro, que levou a este texto. Suponhamos  que é revelado que um urso feroz aparecerá em nosso caminho num trecho mais adiante da estrada que andamos, sendo isso uma certeza. Então se pensa da forma mais suspeita, “já que o futuro pode ser mudado, então trabalharei para mudar a natureza do urso. Inclusive, foi por isso que veio o futuro a ser revelado”.

Como o sujeito está totalmente alienado pelo desejo, por vezes, nem chega a refletir com maior isenção, “Necessito na realidade é de outro caminho. Iniciar uma outra jornada, mudar o foco, pois caso siga por aqui serei destroçado irremediavelmente.” E para derrocada final, muitos ainda irão gritar, “prefiro pagar para ver”.

Quando sabemos é que não se pode mudar a natureza das coisas, ou é no mínimo extremamente difícil. Por outro lado, é possível atuar sobre nossa própria natureza e tentar buscar os fatores conscientes e inconscientes que estão agindo naquele momento para aí sim, mudar, nesse caso, a nós mesmos,  e assim fazer a diferença em nosso caminhar.

Carlos Costa França



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