REFLEXÕES DE FINAL DE ANO 2021

 


As dificuldades, por vezes, se alastram como fogo selvagem. E logo nos damos conta que é um incêndio completo o que vemos. De cuja beleza trágica nos faz lembrar que a existência é irrecusável e inevitável na jornada que nos cabe. E nos vemos, invariavelmente, alistados como bombeiros para remediar a situação. Sem treinamento e com ações inseguras, apelamos até para a sorte. A bem da verdade, tão somente nós sabemos de nossas lutas internas e externas. Enquanto o outro, em seu lazer contraproducente de avaliar a vida alheia, costuma desenvolver teorias que poriam em grandes aflições os cientistas sociais.

 A vida exige qualificações  que não possuímos e atitudes que nos são custosas em diversos momentos. Desafiando-nos compulsoriamente para os aprendizados e uma prática segura e honesta. E aqui em nome da gente mesmo. Há os que preferem os muros das lamentações. Lugar sabidamente pouco promissor, mas que tem lá o estranho charme das pedras mudas e imóveis. Talvez porque elas nos recepcionem muito bem em sua vocação purista de ser inanimado. Contudo, é preciso que se diga, muito bem para o nada.  Para o nada fazer.

Existe qualquer coisa no anjo da vida que nos considera melhor e mais potentes. Embora também, não haja como negar, diante de todos, a excentricidade  desse anjo. A mão do mesmo raramente é suave, chega a ser pesada e gélida como metal novo; o hálito é doce em sua promessa, mas somente se guardado para o futuro. E se nos abraça no presente, é como se esse abraço fosse dado pelos mesmos braços da esperança. Assim não é algo ruim necessariamente. Só não é completo no que se refere as resoluções, já que falta a nossa parte nesse contrato. Implicarmo-nos!

No mais, a vida é  um anjo que pouco fala. Na verdade, é um anjo mudo. Tão somente nos envia sinais. “Tudo é símbolo. E sábio é quem lê em tudo”, apregoava o filósofo Plotino. E não é lá de explicar muito coisa também o tal anjo. Porém é demasiadamente proativo para nos colocar em situações que nos testam. Restando-nos torcer para que este esteja certo sobre nossas aptidões e potenciais. Dessa forma, é uma boa atitude trabalharmos nos seus auspiciosos empurrões para que sejam venturosos os resultados. Por isso,  a entrega é necessária em todo processo de vida. Ainda mais se temos consciência que o  ato de caminhar também segue por algo superior. Espiritual.

               Com tais pensamentos, enquanto trabalhava com madeira, um contraponto ao trabalho intelectual, algo me veio à mente. Era uma tarde ensolarada e amena, tendo como companhia a própria luz que trespassava a janela e uma brisa sorrateira de primavera que insistia em se fazer agradavelmente presente. Sorte minha. “O endereço da felicidade  é encontrado dentro de cada um, pertencimento intransferível do ser”. Não era uma novidade o conceito. Entre outros, Marco Aurélio, imperador romano, e uma das vozes do estoicismo, dizia “A felicidade do homem depende de si mesmo”. Um dito simples e profundo, mas que implica em muita coisa, inclusive na escolha de ser feliz. Muitos não sabem, mas é preciso escolher isso com tudo que é necessário.

A certeza magna daquele  instante desvaneceu-se rápido. Surpreendendo-me um pouco. Embora já soubesse que os pequenos milagres e as certezas que transitam nas horas calmas tinham a tendência a  se dissiparem rápido. Sintoma da urgência da realidade. Aliás, esta, a realidade, sempre parece nos colocar em estado de alerta. Entretanto, não parou aí. No conjunto daquele momento, entrou na garagem, onde me encontrava, na tarefa de transformar a madeira bruta, uma libélula, que ficou presa ali. Sem pestanejar, tratei-a de libertá-la para os jardins. Bastou abrir umas das janelas próximas e ela se foi serelepe. Segui seu voo por uns instantes, contra o verde da relva intenso do jardim, a luz dourada do sol e o profundo azul dos céus do Rio Grande do Sul.

               O fato é que nunca mais havia visto uma libélula. E no contexto de minhas reflexões sobre os desafios da vida, a entrega pessoal, a questão existencial e os  pequenos milagres, também passei a me lembrar de O Breve Voo da Libélula, Voo Sublime, meu livro escrito neste ano de 2021, que é uma sequência de, O Breve Voo da Libélula, Lâmina D’água, com a temática da conquista do espírito sobre os acontecimentos. Pensava mais ou menos nesse trecho, uma  hora antes da libélula entrar no recinto:

“Levavam consigo a guirlanda sublime da metamorfose. Assim não era um simples voo de uma libélula, era uma manifestação de potência. Havia nelas uma natureza mais profunda, agindo, espelhando, revelando e dirigindo um mistério no palco labiríntico  da existência. Ligando o denso ao sutil, refazendo porções de grandeza que se entrelaçavam dentro  de porções minúsculas da matéria viva. A vida se esvaía para se transformar de novo, manifestando o curso dos acontecimentos por suas próprias mãos.  Entregar-se era a palavra de ordem do dia.”

Interessante e antagonicamente, no outro dia, entrou na mesma garagem uma mosca. As moscas nos atrapalham. São irritantes, inconvenientes,  signo da podridão e mensageiras ordinárias. Via aquilo e pensava o quanto temos que lutar por tudo que nos obstaculariza. E o quanto não podemos ser abestalhados com o entorno. Pois tentei “convencer”  a mosca a se retirar do recinto, encaminhando-a para as saídas. Mas ela não saía. Então, deixei-a de lado na esperança que saísse por ela mesma. Nada. Continuava ali. Temos esperanças bobas, quando sabemos o que realmente devemos fazer. E não dei outra, o diabo da mosca novamente começou a perturbar. E agora ela mais descansada, tinha o ânimo dos infernos.

 Há pessoas que são como as moscas (e situações também). É fato. Não nos enganemos quanto a isso. Muitas vezes elas não sabem o quão desagradáveis são. Pois, acostumadas a seu próprio mal cheiro, atribuem aos outros aquilo que emanam. Inconscientes de certa forma. E quando sabem, não trabalham no sentido de se melhorarem. Normalmente aponta o dedo para os outros, revelando  as suas próprias mazelas. É bastante comum que maioria a volta dela não goste de suas atitudes, misto de arrogância e ignorância . Apenas a toleram o quanto podem.

 As flores lhes são irritantes e o perfume uma afronta. Por isso, devemos ter cuidado. É responsabilidade inteiramente nossa saber distinguir dentre os seres no entorno, quais preferem as flores e quais o lixo. Não tem jeito. Será que um bom nariz nos ajudaria nesta tarefa? Uma pista, tais pessoas gostam do lixo humano e social como uma irmandade, professam ignorância como emblema. E notadamente, não se enxergam. Justeza e bom senso, nenhum.

Faz alguns dias, desde o mês de novembro que vinha pensando numa temática para reflexões de final de ano, que sempre faço. E ali resolvi que falaria sobre a dimensão existencial, tendo como pano de fundo os desafios e o sentido da vida.  O ano de 2021 não foi fácil, mas arrisco a dizer que foi melhor do que o ano de 2020, pois houve conquistas importantes.  E a primeira delas no âmbito social. A vacinação de um modo geral. Porém, ainda se morde o fruto amargo da pandemia. E muitos questionam ou questionaram algo do sentido da vida, de seus grandes desafios e o lado sombrio das pessoas , que emergiu como uma praga impensável  no palco sinistro da pandemia.

Existe um teórico no campo da psicologia, Viktor Frankl, inclusive este foi laureado  com o título de doutor honoris causa pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Ele desenvolveu uma abordagem teórica chamada de logoterapia, ou terapia existencial, que se baseia na busca do sentido da vida. Viktor defendia como necessidade mais profunda do ser humano, justamente o ter sentido na vida. A ideia é que cada um, na logoterapia, deveria  detectar seu sentido específico de vida, portanto, era algo individual. Arrisco a dizer, que seria uma espécie de um fio de Ariadne para sair do labirinto, quer seja material, psíquico, emocional ou espiritual, pois, o sentido de vida, é norteador fundante de toda existência de alguém.

Certamente, um sentido nosso, isento de contaminações excessivas, intromissões e deturpações nos oferece algo que pode nos impulsionar e nos conduzir de forma mais apropriada. Movimento ascendente. Tão somente o fato de descobrir esse sentido nos diferencia, pois embora as dificuldades, sempre há uma sinalização e uma espécie de socorro por aquele nível maior, ou seja, por um sentido que nos identifica e nos aponta uma direção. É uma ação de valor humano por excelência. O filósofo Immanuel Kant  estabeleceu, “A missão suprema do homem é saber o que precisa para ser homem”.

Por outro lado, para muitos a vida está contaminada com o excesso  de mazelas. E como é muito esforço empregado em suas tarefas, necessidades e vicissitudes, há um desânimo que vai sendo construído no âmago do sujeito. Reforçado pelo fato da vida ter um fim. Além disso, o medo da morte faz um estrago considerável na consciência de muitas pessoas. “Para quê preocuparmo-nos com a morte? A vida tem tantos problemas que temos de os resolver primeiro” afirmava o filósofo Confúcio.  Já o dramaturgo  Bertolt Brecht, considerava ” Temam menos a morte e mais a vida insuficiente”.

Esse estar na vida com tudo que ela tem, é o mais importante. Embora se deva cultivar algo que se esvanece facilmente, o sentido de gratidão com as coisas, com o momento e com as pessoas que partilhamos o mundo. Para alguns, esse sentido de gratidão é o eixo da felicidade.  E tem muito sentido, pois nos dá uma abertura. Deslocamos para uma espécie de comunhão. E como diz  o professor e filósofo Mario Sergio Cortella, “A morte não é uma ameaça, mas uma advertência”, portanto devemos aproveitar o dia com tudo que há.

O resto são mistérios, esse que nós somos, alguns que nos chegam, outros que nos entregamos e um tanto mais que não reconhecemos. E falando em mistérios, ainda por esses dias, veio-me isto: por vezes, o vagar do silêncio atrai e enseja a luz da espiritualidade, semelhante a uma porta que se abre para um jardim. O belo jardim da consciência. E se mais, permanecermos juntos ao coração,  escapa e sem esforço o hálito que só existe na felicidade, pois tudo que é espiritual está sempre, sem descontinuidade ou véus.  Para finalizar, gosto muito do que falou o filósofo neoplatônico  Plotino,   “Esforço-me para reunir o que há de divino em mim ao que há de divino no Universo.”

Carlos Costa França

Escritor e psicólogo

 

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