REFLEXÕES DE FINAL DE ANO 2020
Um ano imerecido e pesado demais, pudemos constatar, onde tantos silêncios se fizeram prematuros, e lágrimas brilharam em rostos por entre a multidão que somos. Em meio a isso, muitas vezes, ruídos inconsequentes, raivosos e insistentemente ridículos. Quando não desumanos. Um ano que não deixa saudades para ninguém, sendo isso praticamente absoluto. Fomos surpreendidos com a pandemia e seus desdobramentos sociais, culturais e políticos! De toda sorte, nos trouxe uma urgência, a tarefa existencial de sermos mais.
Os dias longos e tortuosos em que se transformaram 2020 nos colocaram diante de desafios pessoais e coletivos a um só tempo, e, ironicamente, com o signo do distanciamento das pessoas, ou quase. Não foi um treinamento, foi a vida real se revelando em uma matriz de responsabilidade por esse evento e processo histórico, que se tornou único. O vírus uniu o mundo num certo discurso. A ciência em sua poética dura e liturgia severa ditou, entre outros, o refrão principal, “Isolamento social”. E isso teve consequências. Uma delas foi a ciência ser várias vezes alvejada com discursos bizarros. Ela não é perfeita, mas procura estar sempre na verdade.
Como não poderia deixar de ser, os pilares de vários segmentos vieram assim a ser testados. Comportamentos alterados e certos valores postos à prova. E não foi à toa que, no que vou alcunhar de “barataosfera”, se viu a espetacularização de coisas que só se tem notícia no nascimento do Teatro do Horror ou certamente nos Estatutos do Inferno. Estupidez, calundus, descasos, insanidade de todas as qualidades, malandragem, roubalheira, falta de educação extremada e outros que fica difícil listar. Mas talvez, somente talvez, para uma boa parcela ensejou uma busca ainda mais intensa pelo o que é digno.
Uma névoa de desesperança e angústia pairou irrefreável sobre todos, levando muitos a depressão, a ansiedade, ao pânico e exacerbação de transtornos psicológicos e emocionais de todos os espectros. Os desdobramentos da pandemia adoeceu a alma de uma multidão incontável e bateu a maioria das portas sem nenhuma cerimônia. Foi preciso preencher o coração e o espírito com coisas mais substanciais do pensamento e do conhecimento, proximidade da família, valores elevados de propósitos e menos futilidades na fila da vida. Quem assim o fez, conseguiu encontrar diversos oásis nesse deserto que atravessamos.
A Informação, a contra informação e a desinformação reinaram como bestas selvagens numa arena romana. A luta se iniciou com uma arena cheia de torcedores alucinados, sedentos e desesperados, enquanto os estádios propriamente ditos estavam vazios de sua alegria costumeira. É possível afirmar que é um panorama bastante inconsciente, inconsequente sermos acometidos por crenças, ilusões, medos, incertezas e ideologias extremados. Não sendo incomum se agarrar a um deles como a única aliança frente às ameaças do meio. As dificuldades sempre requerem mais de nossa atenção, por vezes, uma devoção estranha, uma abnegação decidida, uma força maior e sobretudo uma reflexão apurada. E ainda disciplina, disciplina… faltou demais.
Por outro lado, o ser do Brasil foi redescoberto, já acometido de uma sintomatologia severa, provavelmente uma patologia crônica, que vinha se arrastando desde o nascimento, agravadas por outras injúrias no decorrer de seu crescimento. Dessa forma, o Brasil se revelou o primeiro membro do grupo de risco, e o mais difícil de ser tratado. Sua comorbidade preocupou profundamente os filhos conscritos, que em sua responsabilidade de pensar o Brasil, elevar as aspirações do país, a educação, a contribuição de sua vasta cultura e um modelo de cordialidade para mundo se viram sem chão. Perceberam o grave transtorno mental, um déficit de massa, uma área sombria de inquietação e espasmos epiléticos de insanidade. E por azar das escolhas e direcionamentos, e menos do destino, o Brasil pegou um respirador fajuto e superfaturado. Mas o Brasil respira, os pulmões estão muito bons. O quadro pode ser revertido. Nós podemos!
E a vacina apareceu no horizonte como uma luz do fim de tarde, mas ainda assim, uma luz. O que deveria ser signo de esperança e bem-aventurança se tornou, diga-se, aqui no Brasil, um ringue de MMC, Um Vale Tudo. A tal ponto que o questionamento principal foi, se há vacina para o ser do Brasil, em primeiríssimo lugar, não deveria estar na ordem do dia. Pois sem isso, nada poderia avançar. As indústrias farmacêuticas nunca, em tempo algum, jamais serão nem mesmo beatificadas, porém isso não quer dizer que podemos abrir mão de seu comércio e sua função como em todos os outros casos de medicação e tudo mais. A importância da validação é inquestionável. Mas há a força do Imperativo Tecnológico, o momento e a urgência, o resto são discursos vazios e interesses. A vacina é uma necessidade premente, urgente, é manutenção de vida, de vidas, de pessoas queridas, conhecidas ou desconhecidas, é o que importa. Sem ela é sofrimento para todos, sobretudo para os mais necessitados, via de regra.
Existe a necessidade de uma postura mais madura e célere diante da dificuldade geral, ainda que sem o descanso das nossas dificuldades particulares, e estas provavelmente pioradas. E sabemos que no caldo de cada cultura, aí pelo planeta, veio à tona o que há de melhor e de pior nos seres humanos. Num mosaico de luz, sombra e escuridão que é difícil mensurar e avaliar. Para o sociólogo e filósofo Zygmunt Bauman vivemos numa sociedade de relações líquidas, “frouxas” onde tudo é customizado pelos interesses individuais. Tal leitura da realidade exige pouco certamente, porém o esforço para um caminho de crescimento é tudo que há para uma qualidade melhor de vida.
O mundo foi ferido, carregado de um cinza, uma penumbra de incertezas, mas agora existe vacina, existem vacinas, isso mesmo, e ela vai acontecer, embora os embates e os calundus. Vamos superar isso com toda certeza. 2021 não será fácil, mas será melhor, simplesmente porque existem perspectivas e encaminhamentos responsáveis pelo mundo, e aqui mesmo em nosso país também. Há aqueles que perderam a esperança até mesmo no signo do aprendizado, quando as dificuldades nos ensinam, diante dos eventos atuais. Mas isso não é verdade, há sempre aprendizado, pelo menos para a maioria, mas cada um tem seu tempo, dinâmica e processo. Infelizmente, alguns endurecem ou adoecem ainda mais com o que lhes acontece. Paciência. A maioria ainda é sã. Confiemos nisso!
Tudo de bom em 2021. Os ciclos se cumprem como um processo de vida, morte e renascimento. Coloquemos nossas boas energias no olhar para o horizonte, deixemos o passado, suas sombras, mas não seus aprendizados. E no coração, o coração do mundo, a humanidade, e tudo que ela é capaz de bem e de bom. Pois se crescemos nesse ano que desaparece, nos foi acrescentado o melhor do que é possível na existência. Sejamos uma partícula que brilha, pois pelo raio do infinito nos tornamos passageiros bem maiores no planeta Terra.
Carlos Costa França
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